Resultando de um investimento de cerca de 31.000 euros financiado pelo Programa de Recuperação e Resiliência, o projeto permitiu implementar os princípios da Terapia Multissensorial ‘Snoezelen’ em três espaços desse hospital do distrito de Aveiro e da Área Metropolitana do Porto: um deles afeto à Sala de Partos, outro à unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e outro ao serviço de Medicina Física e Reabilitação.
Após uma consulta inicial entre o profissional de saúde e o utilizador do chamado espaço senso-relax, para o primeiro adequar o ambiente da sala às necessidades terapêuticas específicas do segundo, apagam-se as luzes principais e o cenário torna-se psicadélico, a lembrar décors hippies dos anos 60.
Como peças principais, há um colchão de água e um cadeirão de massagem; ao lado, altas colunas de vidro preenchidas com líquidos luminosos agitados por bolhas de ar; no teto, um céu estrelado de cores mais ou menos discretas; para usar a gosto, colares de fibra ótica colorida, plasticina e instrumentos musicais como um pau-de-chuva; como banda-sonora, cantos de baleia, o som do mar, música clássica ou a discografia que o utilizador preferir; a envolver tudo, essências aromáticas de alfazema ou citrinos, consoante o desejo de calma ou estimulação; e, para o sentido do paladar, até batatas fritas e amendoins em chocolate crocante.
A neonatologista, Denise Souza, que é uma das médicas responsáveis pelo projeto, explica que em causa está “uma medida não farmacológica” para utentes que, pela sua condição clínica ou devido a circunstâncias pontuais, evidenciam “grandes sinais de ansiedade e stress, e podem beneficiar de uma pausa isolada, relaxante, que os ajudará a recuperar o equilíbrio emocional indispensável à recuperação”.
A enfermeira Dulce Brito, especialista em saúde materna e obstétrica, afirma que o tratamento ‘Snoezelen’ se aplica tanto a “grávidas que estejam em interrupção de gravidez e mães de recém-nascidos prematuros” – duas situações particularmente sujeitas a ansiedade e depressão – como a “seniores com demências e comportamentos agressivos, crianças com lesões cerebrais ou dificuldades de desenvolvimento psicomotor e concentração, e vítimas de acidentes vasculares cerebrais ou doença pulmonar crónica com grandes alterações de humor devido às sequelas”.
Se o utente estiver acamado, e não puder deslocar-se a uma das três salas senso-relax, há um posto móvel que irá ao seu encontro no internamento, munido do que a enfermeira especialista Ana Patrícia Oliveira define como “os recursos mais portáteis e práticos” para uma terapia que, jogando também com técnicas de respiração, nesse caso “vai envolver as outras pessoas do mesmo quarto”.
Já no que se refere aos funcionários do hospital, o uso das novas salas ainda só está disponível para as equipas dos três serviços envolvidos no projeto e terá que verificar-se fora dos seus horários de trabalho, mas os princípios terapêuticos são os mesmos e a médica Catarina Aguiar Branco acredita que farão a diferença num contexto de crescente pressão laboral.
“É transversal a todo o setor da saúde – os profissionais estão a fazer cada vez mais horas, mostram-se muito cansados e isso gera depressões, perturbações do sono, desmotivação”, realça a diretora do Serviço de Medicina Física. “Passar por uma sala destas será uma mais-valia que lhes vai permitir lidar melhor com o que sentem, encontrar mecanismos de descontração e recuperar energia para retomar o trabalho com outro ânimo”, defende.
Fátima Pinho é uma das funcionárias que já fez a experiência e, para o repouso no colchão de água, apoiada sobre uma almofada quente e envolvida por fios luminosos, optou pelo silêncio. “Como o nosso serviço é um bocadinho barulhento, e tem sempre muita gente, preferi não ter música”, revela, no seu jeito delicado e franzino.
Exercendo funções no hospital há 26 anos, essa assistente operacional já enfrentou outras fases menos positivas na vida, mas, agora que se depara com problemas pessoais e se sente mais nervosa devido à instabilidade no trabalho, gostou da pausa proporcionada pela sala senso-relax.
“As regras estão sempre a mudar, a qualquer altura somos chamados para tarefas noutros serviços e isso, a mim, deixa-me um bocadinho ansiosa”, admite. “Estar ali fechada aqueles momentos soube-me bem: acho que é tudo bonito e calmante, foi reconfortante aquela tranquilidade, quase a flutuar”, recorda.
Juliana Liberali já esteve várias vezes no espaço ‘Snoezelen’ dos Cuidados Intensivos Neonotais e conta que, da primeira vez que se sentou no cadeirão de massagem, no escuro, sob a réplica de estrelas, passou quase todo o tempo a chorar. “O meu filho nasceu no Porto, muito prematuro, mas, como sou da Feira, vim cá para o hospital. Ele está aqui internado há mais de um mês e, quando finalmente parecia melhor, de repente voltou a piorar e eu reagi muito mal, fiquei muito depressiva”, relata, com um colar de luzes pelo ombro.
Esses fios luminosos foram uma das boas sensações a que se habitou: “Cheguei muito nervosa e chorei, chorei, mas fui mexendo nos fios como se estivesse a acarinhar a minha gata, fui ouvindo a música, foquei-me nos peixinhos [dentro da coluna de água] e comecei a relaxar… A certa altura já estava a pensar positivo de novo e até convidei o meu marido para jantar fora e aproveitar o sentimento bom”.
Ele aceitou, viu o efeito positivo que a sala ‘Snoezelen’ teve na esposa e, citado pela própria Luciana, concluiu: “O hospital não está a cuidar só do bebé – está a cuidar da mãe do bebé também”.
LUSA/HN
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