Projeto inova na ajuda a doentes com anorexia dos 14 aos 60 anos

16 de Fevereiro 2025

A funcionar há ano e meio, o projeto RIPA encontrou uma forma inovadora de chegar às doentes com anorexia, dos 14 aos 60 anos, ajudando-as a reconciliarem-se com o corpo, mantendo a ligação com a família no internamento.

Funciona na Clínica Psiquiátrica de S. José, em Lisboa, e é a primeira resposta nacional de Hospital de Dia para perturbações do comportamento alimentar como a anorexia – que tem uma elevada taxa de mortalidade por desnutrição e suicídio -, permitindo que as doentes frequentem atividades terapêuticas, num esquema que não corta a ligação à vida familiar e social.

O projeto RIPA – Resposta Integrada para Perturbações Alimentares “traz de novo uma resposta para situações diferentes”, disse a psiquiatra Dulce Bouça, que reconhece que a equipa do Hospital de Santa Maria, onde trabalhou vários anos, é a que tem “maior experiência para tratar estas situações em internamento completo”.

No entanto, defende que, após o ‘isolamento’, as doentes acabam por se confrontar com as mesmas dificuldades.

Sublinha que o internamento completo “tem a preocupação de tirar as pessoas do risco de vida e recuperar o estado metabólico e nutricional”, mas insiste: “As pessoas não ficam internadas o resto da vida a tratar-se e estas doenças demoram muito tempo a recuperar”.

“Quando estão internadas a tempo completo, há uma espécie de bolha que as protege do contacto com as suas dificuldades, portanto, recuperam, saem do risco de vida e isto é muito importante. Mas depois, quando voltam, voltam para o ambiente de que estiveram separadas”, explica a psiquiatra, que lidera o projeto RIPA, acrescentando: “Provavelmente não aprenderam a lidar com essas situações, nem as famílias”.

No RIPA – Resposta Integrada para as Perturbações do Comportamento Alimentar, “as famílias fazem parte ativa do trabalho da equipa”.

“São dadas instruções, ideias, sugestões e isto é trabalhado de modo a que as famílias mantenham uma atuação daquilo que é sugerido quando as doentes estão em casa. Para que não seja uma coisa que corre bem no hospital e quando vão para casa começa tudo a correr mal”, explicou.

O projeto arrancou há um ano e meio e a concretização inicial contou com o financiamento do BPI Fundação La Caixa.

Até agora, a equipa conseguiu prevenir o agravamento, evitar a necessidade de internamento hospitalar, ou até mesmo a remissão da doença em 90% das 30 mulheres jovens que acompanhou.

A maioria delas já tinha a doença há vários anos – “algumas há 15 ou 20 anos” -, tinha passado por vários internamentos, estavam em acompanhamento, mas tudo “estava muito estagnado”, explicou Dulce Bouça.

Pelo RIPA passaram doentes dos 14 aos 60 anos, com um tempo de internamento de pouco mais e um mês.

Quando saem do hospital de dia e “vão para a vida”, continuam em acompanhamento psiquiátrico e psicológico, com intervenção nutricional e acompanhamento da família.

Dulce Bouça conta que a maioria das mulheres acompanhadas pelo RIPA “não teve novos internamentos”, mas continua em tratamento, porque “o problema não fica resolvido”: “O hospital de dia é ‘trigger’ para tudo correr melhor daí para a frente”.

A equipa é constituída por profissionais de saúde que vão desde a psiquiatria à enfermagem, passando pela terapia ocupacional ou psicomotricidade.

Além dos profissionais de saúde, vão ao local professores de yoga, tai chi, teatro, expressão dramática, expressão artística (pintura ou desenho) e uma dietista.

O projeto tem atividades dirigidas à consciência do corpo, mas também outras que ajudam os doentes a descobrir novos interesses, competências e fontes de prazer que ignoravam. “Viviam apenas a pensar na comida e no controlo do corpo”.

Nas várias atividades trabalha-se também os aspetos emocionais e psicológicos que ao longo da doença foram alterando a vida pessoal, familiar e social destas mulheres.

“Se não houver uma mudança dos doentes, mas também das famílias, que quando entregam os seus doentes para tratamento estão muito desestruturadas (…), pode voltar tudo ao mesmo”, alerta Dulce Bouça, salientando a importância de criar uma ligação desta resposta com o Serviço Nacional de Saúde.

Defende que o Ministério da Saúde “dê atenção a estas questões da saúde mental e, particularmente, às doenças de comportamento alimentar” e pede uma “articulação próxima” entre as respostas no SNS e projetos como o RIPA, que podem ser parceiros a partilhar doentes e intervenções.

NR/HN/Lusa

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Promessas por cumprir: continua a falta serviços de reumatologia no SNS

“É urgente que sejam cumpridas as promessas já feitas de criar Serviços de Reumatologia em todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde” e “concretizar a implementação da Rede de Reumatologia no seu todo”. O alerta foi dado pela presidente da Associação Nacional de Artrite Reumatoide (A.N.D.A.R.) Arsisete Saraiva, na sessão de abertura das XXV Jornadas Científicas da ANDAR que decorreram recentemente em Lisboa.

Consignação do IRS a favor da LPCC tem impacto significativo na luta contra o cancro

A Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) está a reforçar o apelo à consignação de 1% do IRS, através da campanha “A brincar, a brincar, pode ajudar a sério”, protagonizada pelo humorista e embaixador da instituição, Ricardo Araújo Pereira. Em 2024, o valor total consignado pelos contribuintes teve um impacto significativo no apoio prestado a doentes oncológicos e na luta contra o cancro em diversas áreas, representando cerca de 20% do orçamento da LPCC.

IQVIA e EMA unem forças para combater escassez de medicamentos na Europa

A IQVIA, um dos principais fornecedores globais de serviços de investigação clínica e inteligência em saúde, anunciou a assinatura de um contrato com a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) para fornecer acesso às suas bases de dados proprietárias de consumo de medicamentos. 

SMZS assina acordo com SCML que prevê aumentos de 7,5%

O Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) assinou um acordo de empresa com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que aplica um aumento salarial de 7,5% para os médicos e aprofunda a equiparação com a carreira médica no SNS.

“O que está a destruir as equipas não aparece nos relatórios (mas devia)”

André Marques
Estudante do 2º ano do Curso de Especialização em Administração Hospitalar da ENSP NOVA; Vogal do Empreendedorismo e Parcerias da Associação de Estudantes da ENSP NOVA (AEENSP-NOVA); Mestre em Enfermagem Médico-cirúrgica; Enfermeiro especialista em Enfermagem Perioperatória na ULSEDV.

DGS Define Procedimentos para Nomeação de Autoridades de Saúde

A Direção-Geral da Saúde (DGS) emitiu uma orientação que estabelece procedimentos uniformes e centralizados para a nomeação de autoridades de saúde. Esta orientação é aplicável às Unidades Locais de Saúde (ULS) e aos Delegados de Saúde Regionais (DSR) e visa organizar de forma eficiente o processo de designação das autoridades de saúde, conforme estipulado no Decreto-Lei n.º 82/2009.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights