Em declarações à Lusa, os sindicatos dos médicos e dos enfermeiros são unânimes em considerar essencial que o Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) permita um “virar de página” no “repetido subfinanciamento do SNS”.
“Era fundamental que houvesse um reconhecimento de que SNS precisa efetivamente de investimento e que o Governo deixasse de ter a atitude, mais de propaganda, de dizer que vai contratar mais médicos do que nos anos anteriores”, disse à Lusa o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM).
Jorge Paulo Roque da Cunha referiu que já seria “um grande passo” para que, “na prática, houvesse um verdadeiro investimento em recursos humanos e infraestruturas”.
“Há 10 anos que o investimento publico no SNS a este nível tem sido residual. Neste momento, é suplantado em muito por aquilo que os privados fazem. Os melhores equipamentos estão nos privados e as melhores infraestruturas também”, exemplificou.
Roque da Cunha sublinhou que, com exceção da construção do Hospital de Évora, “nos últimos sete anos nem sequer o que está orçamentado é realizado” e insistiu: “Era importante deixar de haver cativações”.
Além do investimento em infraestruturas e meios técnicos, melhorando as condições de trabalho dos médicos, o responsável apontou a necessidade de investir na grelha salarial destes profissionais, lembrando que “desde há 12 anos que os médicos perderam cerca de 29% do seu poder de compra”.
“Um médico em 35 horas e sem especialidade ganha cerca de 1.100 euros líquidos. Um médico depois da sua licenciatura, do internado geral e da especialidade, estando em 40 horas, pode ganhar líquido cerca de 1.700 euros. É fundamental olhar para isto de forma séria”, apelou.
Roque da Cunha reconhece as dificuldades financeiras do país, mas defende: “É uma questão de prioridades”.
Apontou os gastos com empresas de prestação de serviços, lembrando que em 2020 foram cerca de 150 milhões de euros, para exemplificar as necessidades a este nível e lembrar que os médicos já fazem muitas horas extraordinárias.
“Não se pode pedir mais trabalho aos médicos. Estamos a falar de oito milhões de horas extra que fizeram no ano passado, ainda por cima contrariados porque o que lhes é pago é cerca de metade do que é pago a estas empresas de prestação de serviços”, afirmou, insistindo que com estas contratações externas “não há espírito de equipa”.
O dirigente sindical sublinhou também a necessidade de os médicos de saúde pública verem pagas todas as horas extraordinárias que fazem: “as primeiras 200 horas extra não são pagas”.
O secretário-geral do SIM apontou igualmente a necessidade de definir um plano de recuperação da atividade adiada por causa da pandemia, tanto nos hospitais como nos centros de saúde, defendendo uma maior cooperação com os privados nesta recuperação.
“Uma maior articulação com o setor privado (…) iria fazer com que o Estado poupasse dezenas de milhões de euros que neste momento já transfere para privados, não só nos SIGIC [listas de espera para cirurgia], mas também nos meios complementares de diagnóstico. Até na oncologia isso já acontece”, afirmou Roque da Cunha, que indicou igualmente a necessidade de investimento no Instituto de Medicina Legal e nas Forças Armadas, além do pagamento das dívidas “num prazo correto”.
A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) também insistiu na necessidade de acabar com o “subinvestimento crónico” do SNS e apontou como “pilares básicos” para o OE2022 o reforço nos recursos humanos, a valorização remuneratória e a melhoria das condições de trabalho dos médicos.
“São os pilares base que não têm sido contemplados de forma minimamente convincente para tentar evitar o êxodo que tem vindo a acontecer”, disse à Lusa o presidente da FNAM, Noel Carrilho.
“É essencial que o OE2022 abra portas a essa valorização”, acrescentou o responsável, lembrando que a questão das condições de trabalho dos médicos tem sido “deixada de parte e está no limite da aceitabilidade”.
“E aqui falamos de investimento em recursos técnicos e estruturais, que permitam aos médicos atenderem adequadamente os seus utentes”, sublinhou.
Noel Carrilho considerou ainda como essencial a valorização da exclusividade dos médicos do SNS, recordando: “Há abertura na lei de bases da saúde e parecia haver abertura no ano passado na lei do OE, mas nem discutido foi”.
“Claro que esta exclusividade tem de cumprir critérios. Tem de ter a necessária e adequada majoração, ser voluntária e acessível a todos”, lembrou, acrescentando: “É preciso que aconteça sem ser limitada, pois receamos que seja anunciada e que, depois, tenha uma regulamentação tão apertada que não se torne efetiva para todos”.
“Só assim – com a devida majoração, voluntária e acessível a todos – poderá ser um verdadeiro fator de atratividade dos médicos no SNS. Senão, será mais um ano perdido”, disse.
O aumento da receita para o SNS por parte do OE2022 que permita acabar com o subfinanciamento é igualmente considerado essencial pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP).
“A questão central que é a base de tudo é de facto a necessidade de um aumento da receita no SNS por parte do OE de forma a possibilitar um verdadeiro investimento em instalações, equipamentos e a contratação de mais enfermeiros e outros profissionais de saúde”, disse à Lusa José Carlos Martins, do SEP.
O responsável sublinhou igualmente que este reforço de meios humanos é essencial para responder ao “aumento crescente das necessidades em saúde decorrente do envelhecimento da população e dos problemas não resolvidos na fase do Covid-19”.
Frisou ainda a importância de o SNS conseguir fixar os seus profissionais, afirmando que tal só é possível valorizando as carreiras – “contando os famigerados pontos para efeitos de progressão” – e atribuindo aos profissionais de saúde o valor relevante face ao que foi o seu empenho no combate à pandemia.
LUSA/HN
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