João Valente Nabais Vice-Presidente da Federação Internacional da Diabetes, Professor Auxiliar da Universidade de Évora, Assessor da Direção da APDP

11 de Janeiro de 1922, o dia V da diabetes

01/11/2022

11 de Janeiro de 1922, Frederick Banting e Charles Best saem do laboratório da Universidade de Toronto (Canadá) criado por J.J. Rickard MacLeod, onde no último ano desenvolveram o trabalho que levou à descoberta da insulina. Na mala levavam um extrato de pâncreas. Sim, naqueles tempos colocavam-se alguns pâncreas no espremedor para obter esse líquido verdadeiramente maravilhoso, e que já salvou desde esse dia milhões, milhões e milhões de pessoas. Tarefa essa para a qual tiveram a ajuda de James Collip, encarregue da purificação do extrato. Mais ou menos o equivalente a retirar os caroços quando se espreme uma laranja.

Dia típico de Inverno, sem neve, mas com uma temperatura de fazer congelar as lentes dos óculos de Banting. Não estavam mais do que -3ºC! Bem agasalhados, com o coração a bater mais forte, e com um passo decidido, mas nervoso, lá foram estes brilhantes cientistas a pé até ao Hospital de Toronto.

Ao chegarem ao hospital, dirigiram-se apressadamente aos corredores aquecidos à procura do quarto 14, onde estava o pequeno Leonard Thompson que, com 14 anos, pesava 30kg e tinha uma alimentação de 450 calorias por dia (um chocolate quente e croissant, portanto). Não esquecer que, por aqueles dias, o tratamento das pessoas com diabetes era uma dieta muito rigorosa e atividade física mínima. Banting e Best estavam entusiasmados, não com a aparência de Leonard, mas com o facto de terem conseguido alcançar este marco histórico da medicina!

Entregaram o frasco ao Dr. Ed Jeffrey, o qual teve a honra de dar a primeira injeção de insulina da História!

Leonard não melhorou com esta injeção pois o extrato ainda não estava suficientemente purificado. O líquido ainda tinha caroços e restos de cascas, usando a analogia da laranja e do seu sumo.

De volta ao laboratório, passaram os dias seguintes a tentar perceber que mudanças podiam ser feitas para melhorar o processo. Collip, num daqueles momentos Eureka (quando aparece uma lâmpada acesa por cima da cabeça!), e ao olhar para o copo com Vodka que estava a beber, descobriu um método de purificação do extracto baseado na extração com álcool. De uma forma muito resumida, e para não aborrecer o leitor com detalhes técnicos, os pâncreas eram triturados e depois misturados com uma solução de álcool e água para fazer precipitar a insulina, isto é formar um sólido. Neste processo, o álcool ia sendo adicionado lentamente para fazer subir a sua percentagem até que se chegava a um ponto crítico que fazia precipitar a insulina, ou seja, a insulina estava no líquido e nesse momento, quase por magia Merliniana, tornava-se pó no fundo do frasco! Atenção que se usavam pâncreas de animais e não de humanos!

Este novo extrato foi injetado em Leonard a 23 de Janeiro de 1922, mais concretamente 7.5 mL em cada nádega com seringas nada parecidas com as que existem hoje…YUPI!!!!! Sucesso, êxito, alegria, festa, lágrimas, champanhe e bolos! Não fossem os -15ºC de temperatura exterior e tinham corrido para fora do Hospital a anunciar a boa nova!

Leonard recuperou, teve o que na altura foi apelidado de uma volta miraculosa à vida! Passou a injetar por dia uma média de 85 unidades de insulina, ou melhor, de sumo de pâncreas. Apesar deste milagre, Leonard teve uma vida curta. Em 1932 foi novamente internado, por complicações da diabetes, em coma diabético e com uma broncopneumonia aguda bilateral, vindo a falecer nesse ano. O seu nome ficou na História como a primeira pessoa a receber uma injeção de insulina.

Celebramos em 2022 o centenário deste acontecimento. Celebramos a vida e as descobertas de Banting, Best e Collip. Celebramos todos os cientistas que foram acumulando conhecimento ao longo de muitos anos e que levaram ao dia 11 de Janeiro de 1922, tais como Paul Langerhans, Eugéne Glay, Georg Zuelzer e Nicolae Paulescu. Lembramos o sacrifício dos cães de Banting e Best, peça fundamental desta descoberta. Celebramos a vida de todas as pessoas com diabetes. Celebramos a vida de todos os cuidadores informais das pessoas com diabetes, todos sabemos o papel importante da família. Celebramos o trabalho de todos os técnicos de saúde que ajudam diariamente as pessoas com diabetes, tornando a nossa vida melhor.

11 de Janeiro de 1922, o dia V da diabetes

Dia V, de Vitória, de Vida, de Vitalidade e de Vencedores. Este foi o dia que marca a libertação de uma vida curta e em sofrimento atroz. Este foi o dia que devolveu vida à vida das pessoas com diabetes.

 

Sugiro visitarem os sites

https://www.100anosinsulina.pt

https://www.insulin100.eu

https://insulinat100.org

https://insulin100.utoronto.ca

e também a procurarem por

#aminhainsulina  #100anosinsulina

Nota do autor desta pequena crónica. Os nomes e eventos são os acontecidos, mas a descrição está um pouco romanceada. Contudo, se não aconteceu, assim podia ter acontecido!

 

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Daniel Ferro: Retenção de Médicos no SNS: Desafios e Estratégias

Daniel Ferro, Administrador Hospitalar na USF S. José, apresentou no 10º Congresso Internacional dos Hospitais um estudo pioneiro sobre a retenção de profissionais médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A investigação revela as principais causas de saída e propõe estratégias para melhorar a retenção de talentos.

Inovação Farmacêutica: Desafios e Oportunidades no Acesso a Novos Medicamentos

A inovação farmacêutica enfrenta desafios significativos no que diz respeito ao acesso e custo de novos medicamentos. Num cenário onde doenças como Alzheimer e outras condições neurodegenerativas representam uma crescente preocupação para os sistemas de saúde, o Professor Joaquim Ferreira, Vice-Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, abordou questões cruciais sobre o futuro da inovação terapêutica, os seus custos e o impacto na sociedade durante o 10º Congresso Internacional dos Hospitais, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hopitalar (APDH).

Desafios e Tendências na Inovação Farmacêutica: A Perspetiva de Helder Mota Filipe

O Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Helder Mota Filipe, abordou os principais desafios e tendências na inovação farmacêutica durante o 10º Congresso Internacional dos Hospitais. A sua intervenção focou-se na complexidade de garantir o acesso a medicamentos inovadores, considerando as limitações orçamentais e as mudanças demográficas e epidemiológicas em Portugal

Carlos Lima Alves: Medicamentos Inovadores: O Desafio do Valor Sustentável

Carlos Lima Alves, Médico e Vice-Presidente do Infarmed, abordou a complexa questão dos medicamentos inovadores no 10º Congresso Internacional dos Hospitais, promovido pela Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH). A sua intervenção centrou-se na necessidade de equilibrar o valor dos medicamentos com os custos associados, destacando a importância de uma avaliação rigorosa e fundamentada para garantir que os recursos financeiros sejam utilizados de forma eficaz e sustentável.

Projeto Pioneiro em Portugal Aborda Gestão de Resíduos na Diabetes

A Unidade Local de Saúde de Matosinhos apresentou um projeto inovador sobre a gestão de resíduos resultantes do tratamento da diabetes, na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde. O projeto “Diabetes e o meio ambiente” visa sensibilizar e capacitar pacientes e famílias para a correta separação de resíduos, contribuindo para a sustentabilidade ambiental.

MAIS LIDAS

Share This