Áustria dividida entre o ceticismo e aceitação da vacinação obrigatória

8 de Fevereiro 2022

Em passo apressado, quase transformado em corrida, Inge, vienense de 34 anos, encolhe os ombros enquanto passa por mais uma manifestação contra a vacinação obrigatória, em vigor desde o fim de semana.

O som dos tambores não dá espaço para muitas conversas, mas a advogada, que mora bem no centro da cidade, desabafa. “Já não basta termos de viver com a covid-19, agora também não param as manifestações”, lamenta.

Junto ao memorial dedicado aos soldados do exército vermelho que perderam a vida em Viena, na Segunda Guerra Mundial, vai-se ouvindo um discurso num pequeno palco improvisado. Interrompido com palmas, batuques e sirenes, as palavras apontam ao recente governo do chanceler Karl Nehammer.

“A Áustria deixou de ser uma república democrática. Tentaram instaurar um sistema ditatorial camuflando-o com a saúde. A vacinação obrigatória é a porta para essa ditadura”, explica Bernard, em declarações à Lusa.

Desde que foi anunciada a vacinação obrigatória, inédita na União Europeia, Bernard tentou não faltar a nenhum protesto nas ruas da cidade.

“Infelizmente, a nova lei teve parecer positivo e a Áustria já não é um país democrático. Isto é muito triste. Temos de ter muito cuidado para que isto não seja o início de uma nova China”, argumenta.

A vacinação é, desde o fim de semana, obrigatória para todos os residentes na Áustria a partir dos 18 anos, com exceção dos recuperados recentemente, mulheres grávidas e pessoas com alergias comprovadas.

A partir de março, as autoridades deverão verificar aleatoriamente o cumprimento da nova lei, com multas que podem chegar aos 3.600 euros.

Cerca de 75% da população austríaca está vacinada contra a Covid-19. Um valor que, para o ministro da Saúde, não é suficiente para combater com eficácia uma nova onda do vírus.

“A vacinação obrigatória é uma decisão de voltar a uma vida da qual todos sentimos falta”, revelou publicamente Wolfgang Mückstein.

Mas para Iwone, uma das organizadoras da manifestação, a pressão constante e a imposição desta nova regra não pode ser tolerada pelo povo austríaco.

“A forma de governar este país já não é aceitável. Queremos viver num mundo livre e democrático, onde toda a gente tenha o direito de escolha. Agora isso não é possível. Não estou satisfeita, quero novas políticas e novos políticos. Quero ser livre, que os nossos filhos sejam livres, é pelo nosso futuro”, sustenta.

Sem máscara, esta austríaca, com quase 50 anos, admite não estar vacinada, nem ter qualquer intenção de mudar isso.

“Não estou, mas entendo os que se vacinam. Recebem muita pressão de todos os lados para o fazer. Há muita gente que já se vacinou duas vezes porque lhes prometeram que era o necessário. Mas isso não acabou por aqui. Por isso também muitas dessas pessoas se juntam a nós nas ruas”, acrescenta.

Num dia de sol, são cerca de duas centenas os manifestantes com alguns cartazes onde pode ler-se “Escolha” ou “Não a uma ditadura da saúde digital”. Aos manifestantes, somam-se cerca de 15 carrinhas das polícias, e dezenas de agentes, todos de máscara.

Na Alemanha, a vacinação obrigatória também tem vindo a ser discutida, mas, para já, apenas a Áustria decidiu pô-la em prática.

Uma jornalista alemã a trabalhar na Áustria, que prefere não ser identificada, revela à agência lusa que a maioria dos austríacos está a favor da implementação da vacinação obrigatória.

“A Áustria chegou a um ponto em que, provavelmente, a vacinação obrigatória é a única saída”, aponta, revelando que foram vários os procedimentos que não funcionaram bem até agora.

“Há uma grande diferença entre Viena e o resto da Áustria. E conseguir uma dose nem sempre é fácil”, revela, acrescentando que a mentalidade nem sempre ajuda, com muitas pessoas a decidirem vacinar-se apenas quando os bares e restaurantes implementaram a regra 2G (curados ou vacinados).

Annah, que abandona o “Austria Center”, o principal centro de vacinação da capital, conta que o processo foi bastante rápido.

“Só agora recebi a segunda dose porque tive alguns problemas de saúde pelo meio. Não estava muita gente. Talvez comecem a vir mais pessoas já que agora é obrigatório, mas também acredito que muitos tentem contornar a lei”, defende.

“Não sei se deveria ser obrigatório ou não, penso que cada um deveria ser responsável pela sua saúde e pela dos outros”, comenta.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Ordem dos Médicos procura ideias inovadoras para melhorar o sistema de saúde em Portugal

A iniciativa está aberta a todos os cidadãos – nacionais ou estrangeiros -, desde que organizados em grupos de dois a cinco elementos e com pelo menos um médico inscrito na Ordem dos Médicos. Desta forma, o Prémio Best Ideas in Healthcare pretende estimular a inovação e o empreendedorismo em saúde, mas também incentivar a criação de equipas multidisciplinares, entre médicos e outros profissionais

Luís Campos distinguido com o Prémio Nacional de Medicina Interna 2024

O Prémio Nacional de Medicina Interna 2024 foi atribuído a Luís Campos, fundador e presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente e comissário do Plano Nacional de Saúde 2021-2030, que ainda se destaca pelas suas funções atuais de presidente do Comité de Qualidade de Cuidados e Assuntos Profissionais da Federação Europeia de Medicina Interna e da coordenação da Medicina Interna da Clínica CUF Belém.

Luís Duarte Costa assume presidência da SPMI

Luís Duarte Costa acaba de tomar posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) para o triénio 2024/2027. Os novos órgãos sociais tomaram posse na Assembleia Geral da sociedade que decorreu no último dia do 30.º CNMI.

OMS lança mecanismo para angariar mais dinheiro

 A Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou no domingo um mecanismo destinado a angariar fundos “sustentáveis, previsíveis e flexíveis” para financiar as prioridades para o período 2025-2028.

Banco Alimentar recolheu 1.755 toneladas de alimentos

A campanha do Banco Alimentar contra a Fome recolheu este fim de semana 1.755 toneladas de alimentos em mais de 2.000 superfícies comerciais do país, avançou esta segunda-feira a instituição de solidariedade social.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights