Amnistia Internacional diz que pandemia serviu de pretexto para Estados da Europa violarem leis

29 de Março 2022

Vários países europeus violaram os direitos humanos em 2021, alegando a necessidade de contornar a lei para combater a pandemia e o terrorismo e enfrentar as crises migratórias, conclui a Amnistia Internacional no seu relatório anual, esta segunda-feira apresentado.

O documento dá como primeiros exemplos a Polónia, a Lituânia e a Letónia, que declararam estados de emergência para deixar de cumprir as normas internacionais e limitaram severamente o trabalho da imprensa e das organizações não governamentais nas fronteiras.

“Muitos países promulgaram ou mantiveram restrições desproporcionais às manifestações pacíficas de pessoas, com a polícia a usar frequentemente força ilegal ou medidas discriminatórias para controlar os manifestantes”, refere o relatório da Amnistia Internacional (AI).

“A Grécia continuou a usar a pandemia como cortina de fumo para restringir indevidamente o direito à liberdade de reunião pacífica e, entre outras coisas, aprovou pela terceira vez uma proibição geral de reuniões públicas ao ar livre, dissolvendo, assim, várias manifestações”, acrescenta o documento.

De acordo com a AI, o Chipre também manteve, no ano passado, uma proibição geral de todas as manifestações, a Turquia restringiu arbitrariamente a liberdade de reunião pacífica, detendo centenas de pessoas e usando ilegalmente a força, e na Bielorrússia o direito ao protesto pacífico deixou simplesmente de existir na prática, tendo milhares de pessoas fugido do país com medo de represálias.

“No final de 2021, as restrições associadas à Covid-19 desencadearam protestos em massa na Áustria, Bélgica, Croácia, Itália e Países Baixos”, aponta a organização, lamentando que algumas manifestações tenham sido marcadas pela violência e provocado dezenas de detenções e de feridos.

Por outro lado, refere o relatório da AI, “é difícil não ver racismo nas políticas de vacinação adotadas pelos países europeus em relação ao resto do mundo”.

Na Europa, as taxas de vacinação foram relativamente altas, embora em alguns países da Europa de Leste e da Ásia Central tenham permanecido baixas.

A desigualdade vacinal na região foi acentuada, muito pela relutância das populações em tomar as vacinas, mas sobretudo porque a sua distribuição não foi isenta.

“Em alguns casos, migrantes sem documentação e pertencentes a grupos tradicionalmente discriminados tiveram dificuldades de acesso à vacinação”.

Mas não foi só dentro da Europa que a distribuição foi desproporcional.

“Apesar de a Europa assumir compromissos significativos para doar vacinas, a desigualdade global de vacinas foi exacerbada pela Noruega, Reino Unido, Suíça e UE”, que continuaram a bloquear a produção de vacinas no hemisfério sul, invocando questões de direitos de propriedade intelectual em detrimento dos direitos humanos, condena a organização humanitária.

O relatório da AI sobre os direitos humanos no mundo em 2021 aponta, por outro lado, que a Europa registou um crescimento do número de muros e cercas nas fronteiras e alerta para o facto de ter havido “ampla aceitação da tortura e assassinatos nas fronteiras” como forma de impedir a migração irregular.

O caso mais marcante foi o da fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia, onde, durante meses, milhares de migrantes, provenientes sobretudo da Síria, do Iraque e do Afeganistão, forçaram a entrada na União Europeia, crise que foi atribuída ao Presidente bielorrusso como forma de retaliação pelas sanções económicas da UE contra o seu regime.

“As autoridades bielorrussas facilitaram a criação de novas rotas migratórias através do seu país para a UE e empurraram violentamente refugiados e migrantes para as fronteiras da Polónia, Lituânia e Letónia, o que acabou por legalizar as expulsões sumárias naqueles países”, refere a AI, sublinhando ainda que, no final do ano, havia centenas, se não milhares, de pessoas presas nas fronteiras e vários mortos sobretudo devido a hipotermia.

O episódio levou um grupo de 12 países – incluindo Polónia, Lituânia, Grécia, Dinamarca e Áustria – a enviar uma carta ao executivo comunitário para defender que uma “barreira física parece ser uma medida de proteção eficaz nas fronteiras, servindo o interesse de toda a UE”, proposta que foi acolhida pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

Entretanto, nas “antigas” rotas de migração da Turquia para a Grécia, do Mediterrâneo central para a Itália e de Marrocos para Espanha, a expulsão sumária e violenta de migrantes continuou a ser uma prática comum, assim como os longos e arriscados períodos de espera para desembarcar pessoas resgatadas no mar, avança o relatório.

“Muitos países anunciaram abertamente o número de pessoas cuja entrada havia sido “restringida”, o que muitas vezes significava que essas pessoas tinham sido sumariamente expulsas sem que as suas necessidades de proteção fossem avaliadas”, critica a Amnistia, acrescentando que o número anunciado na Turquia e na Hungria foi de várias dezenas de milhares, e nas fronteiras da Bielorrússia com a Polónia, Letónia e Lituânia foi de mais de 40.000 pessoas.

A Amnistia Internacional registou também que “a UE e a Itália continuaram a ser cúmplices no financiamento das operações de ‘recuperação de migrantes’ pela guarda costeira líbia, que levaram milhares de migrantes de volta à Líbia, apesar do risco de enfrentarem graves violações dos direitos humanos”.

Em outubro, mais de 27.000 refugiados e migrantes foram capturados no Mediterrâneo central e devolvidos à Líbia.

Outra das principais críticas aos Estados europeus feitas pela AI no seu relatório relativo a 2021 foi “a erosão da independência judicial”.

Um dos casos mais marcantes foi o da Polónia, onde depois de uma série de decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e do Tribunal de Justiça da UE a condenarem mudanças judiciais introduzidas no país, que foram consideradas incapazes de atender aos requisitos para julgamentos justos, o Tribunal Constitucional polaco decidiu que a lei do país tinha precedência sobre a lei da UE e que o direito a um julgamento justo ao abrigo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem era incompatível com a Constituição polaca.

Um precedente que deu origem a “uma investigação excecional” feita pelo Conselho da Europa.

LUSA/HN

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