“Determina-se que as restrições de direitos das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental – como a utilização de medidas coercivas, incluindo o isolamento e meios de contenção físicos ou químicos, para prevenir ofensa grave e iminente ao corpo ou à saúde do próprio ou de terceiro – obedecem a uma utilização exclusivamente de último recurso e sempre por um período limitado à sua estrita necessidade”, refere o diploma ontem consultado pela Lusa.
A proposta de lei foi aprovada no Conselho de Ministros realizado em 14 de julho e foi admitida na segunda-feira na Assembleia da República, reconhecendo que, mais de 20 anos após a publicação da legislação sobre essa área, “era clara a necessidade de repensar a organização da prestação de cuidados de saúde mental” em Portugal.
De acordo com o diploma, essa revisão da legislação tem em conta os “enormes avanços registados” a nível clínico nas últimas duas décadas, mas também os compromissos assumidos por Portugal nesta área com a Organização Mundial de Saúde, o Conselho da Europa, a União Europeia outras instâncias internacionais.
Perante esses compromissos, o Governo inscreveu no Plano de Recuperação e Resiliência apresentado à Comissão Europeia a conclusão da reforma da saúde mental, enquanto uma das linhas de reformas e investimentos no Serviço Nacional de Saúde a concretizar até 2026.
Para a elaboração desta proposta de lei, as ministras da Saúde e da Justiça decidiram criar, em 2020, um grupo de trabalho encarregue de apresentar propostas.
De acordo com a proposta aprovada pelo Governo, entre os vários direitos das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental, fica consagrado o acesso a cuidados de saúde integrados e de qualidade, da prevenção à reabilitação, que incluam respostas aos vários problemas de saúde e que sejam adequados ao seu enquadramento familiar e social.
Além disso, o diploma estipula o direito a ser promovida a “capacitação e autonomia, nos vários quadrantes da sua vida, no respeito pela sua vontade, preferências, independência e privacidade”, assim como o direito a “não ser sujeito a medidas privativas ou restritivas da liberdade de duração ilimitada ou indefinida” e a não ser “submetido a medidas coercivas, incluindo isolamento e meios de contenção físicos ou químicos, exceto nos termos previstos na lei”.
Por outro lado, à pessoa com necessidade de cuidados de saúde mental em tratamento involuntário é reconhecido o direito de participar em todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito, de indicar uma pessoa de confiança e de participar, na medida da sua capacidade, na elaboração e execução do respetivo plano de cuidados, sendo ativamente envolvida nas decisões sobre o desenvolvimento do processo terapêutico.
“Prevê-se a figura, intencionalmente informal, da pessoa da confiança — a pessoa escolhida por quem tem necessidade de cuidados de saúde mental e por si expressamente indicada para, com a sua concordância, lhe prestar apoio no exercício dos seus direitos”, refere o diploma.
O novo regime procura, também, responder a uma “lacuna persistente” quanto à proteção da gestão do património dos doentes mentais, regulando os termos em que o mesmo se efetua.
Para harmonizar os regimes vigentes com as alterações propostas, o Governo entende ser necessário preceder à revogação de um artigo do Código Penal, que permite, em certos casos, a prorrogação sucessiva das medidas de segurança de internamento de inimputáveis.
“Com efeito, a subsistência de tal regime, embora ancorada no n.º 2 do artigo 30.º da Constituição, é há muito questionável, por permitir que as medidas de internamento tenham, na prática, uma duração ilimitada ou mesmo perpétua, contrariando o entendimento de que deve valer para todos os cidadãos – imputáveis e inimputáveis – a regra de que não pode haver privações da liberdade com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida”, adianta a proposta de lei na exposição dos motivos.
Ainda âmbito da execução das medidas de segurança de internamento de inimputáveis, a proposta propõe reduzir de dois anos para um ano a periodicidade da revisão obrigatória da situação do internado, dando assim cumprimento a uma recomendação do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes.
O diploma cria ainda a comissão para o acompanhamento da execução do regime jurídico do tratamento involuntário, a quem cabe, entre outras funções, visitar as unidades de internamento e comunicar diretamente com as pessoas em tratamento involuntário, solicitar ou remeter a quaisquer entidades administrativas ou judiciárias informações sobre a situação dos internados e receber e apreciar as reclamações.
LUSA/HN
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