O Estado de Mercado Social

09/15/2023
Contributo para um pensamento Social Democrata Reformista. por António Alvim Médico

I Manifesto Do Estado De ” Mercado Social”

Considera-se um imperativo moral e uma indispensabilidade social a Organização da Sociedade de forma a que todos possam ver realizados, dentro dos limites do desenvolvimento económico do País, as suas legítimas aspirações à Alimentação, Vestuário, Educação, Ensino, Cuidados de Saúde, Segurança, Justiça, Habitação, Intercomunicação, e ver prevenidas as situações de Doença, Invalidez, Desemprego e Velhice.

Como tal considera-se “Estado Previdência” (de prevenir) como a fórmula feliz que exprime a assunção pelo Estado do dever de zelar pela realização daqueles objectivos sociais.

Considera-se no entanto que o “Estado Providência” (de provir), que tem sido a forma como o Estado tem tentado realizar o Estado Previdência através da prestação pública de serviços e que constituiu uma etapa histórica de grande significado na evolução social e bem estar da população, não só não é financeiramente suportável no futuro como apresenta um elevado índice de ineficiência, uma baixa acessibilidade e  qualidade medíocre, que justificam o sentimento de desconfiança permanente em relação a ele.

Considera-se que o gigantismo e o absolutismo do Estado Providência paralisa o Estado e favorece a corrupção e a iniquidade.

Considera-se que a sua perpetuação se deve por um lado à ausência de pensamento político que apresentasse alternativas credíveis e por outro ao peso dos interesses instalados que se autoprotejem por via legislativa e se autojustificam através da propaganda de mitos falsos.

Considera-se o Acesso de todos os Cidadãos a Serviços de Qualidade em tempo útil e de forma a que não se ponham considerações de ordem económica-financeira ao cidadão, como o fundamento das políticas sociais que importa garantir. Este conceito engloba a qualidade e empenhamento  dos agentes, a existência de estruturas físicas de qualidade, a existência de vias de comunicação, a existência de democraticidade e equidade no acesso, a existência de capacidade económica-financeira. 

Considera-se que, como em todas as outras áreas, também nos sectores sociais a livre iniciativa e a competição são as formas de conseguir melhores serviços e menores custos.

Considera-se no entanto que a transição de um Estado Providência para um Estado Liberal puro, não só diminuiria o acesso aos bens sociais e aumentaria a exclusão, como levaria ao colapso da prestação por falta de procura com capacidade económica para sustentar a oferta.

Considera-se que a actividade livre tem apesar de tudo um papel fundamental como contraponto, referência e válvula de escape e segurança do sistema, pelo que não só deve desempenhar o seu papel complementar como deve ser incentivada.

Considera-se errado o financiamento por dotação orçamental global, que assenta na contabilização das despesas e as empola, enquanto retrai a prestação. Defende-se, em conjunto com a liberdade de escolha, o pagamento por serviço prestado que estimula o desempenho do prestador, como a única forma de tornar, de facto, o utente em cliente. 

Consideram-se as actuais limitações decorrentes do espartilho orçamental como uma falsa questão que deriva das naturezas públicas do financiamento e da prestação, sendo certo que o desenvolvimento destes sectores é factor de emprego, progresso económico, social e cultural,  e enriquecimento do país.

Considera-se errado e politicamente inexequível, o princípio subjacente aos teóricos do Estado Providência de Segunda Geração de “os ricos que paguem a crise” (leia-se a classe média) por não só incentivar os ricos a esconderem os seus rendimentos como fundamentalmente dividir os cidadãos, enquanto utentes e perante o prestador, em classes. A classe dos que pagam e por isso são fonte de rendimento para a instituição (1ªclasse) e dos que não pagam (3ªclasse) que são apenas fonte de despesa.

Considera-se como princípio a seguir a igualdade de todos os cidadãos no pagamento ao prestador. Cabe ao Estado e à Sociedade encontrar esquemas de financiamento adequados a cada área que garantam uma acessibilidade estável e segura, e de co-financiamento selectivo e solidário ao cidadão.

 Dentro dos princípios atrás definidos propõe-se a Constituição de um Estado de Mercado Social de Serviços através de :

1º Criação de redes convencionadas através da transformação das Instituições Públicas (Escolas, Centros de Saúde, Notários. etc.) em unidades autónomas a serem cedidas ou concessionadas preferencialmente aos seus agentes e financiadas não por dotação orçamental, mas em função do pagamento dos serviços efectivamente prestados, sem prejuizo de uma contratualização esclarecida, remunerados por um Preçário Social acordado e dentro do princípio de que o dinheiro deve seguir o utente. Redes Convencionadas que deverão ser igualmente apelativas a toda a iniciativa privada, individual ou empresarial, que a elas queira aderir.

2º Criação de Fóruns de Negociação tripartida entre Estado, Prestadores e Utentes, de preçários sociais que por um lado deverão assentar numa contratualização esclarecida visando qualidade, acessibilidade, resultados e eficiência e reflectir a necessidade de contenção de custos integrando mecanismos de autoregulação que interessem os prestadores e os utentes; e por outro serem suficientemente compensadores e estimulantes para os Prestadores.

3º O financiamento dos vários sistemas deverá ser independente do Orçamento de Estado e assentar no cidadão, sem prejuízo de co-financiamento selectivo e solidário directamente ao cidadão.

4º Sempre que pela sua natureza os custos individuais possam ser imponderáveis (Saúde) ou demasiados altos (Educação) deverá haver um terceiro pagador (Seguro Social de Saúde) ou esquemas de Créditos acessíveis e a serem reembolsados a longo prazo (Fundo para a Educação), de forma a que nunca se ponham ao cidadão considerações de ordem económica ou financeira no acesso a qualquer bem social.

5º O Mercado convencionado deverá ser complementado por um mercado livre, que deverá fazer parte do Sistema, sendo livre a mobilidade dos utentes e dos profissionais entre um e outro.

6º O cidadão deverá ter liberdade efectiva da escolha do prestador, quer ele seja público, convencionado ou privado, e o direito a ser apoiado (em valores absolutos) de igual forma, dentro do princípio que os direitos devem residir no cidadão e não nas instituições.

7º Ao Estado, que se retira da prestação e se pode concentrar no estabelecimento das várias políticas sectoriais, na fiscalização e nas suas actividades específicas como cobrança de impostos, comunicações viárias, segurança, defesa e política externa, caberá ainda o papel fundamental de actuação enzimática na concertação, concretização, monitorização e regulação deste projecto. 

8º As propostas acima enunciadas são um todo indissociável que constitui  “O Estado do Mercado Social”.

9º A construção desta terceira via é o papel, hoje, da Social Democracia em Portugal e de todos aqueles que pretendem proporcionar aos cidadãos bem estar e acesso efectivo a serviços de qualidade.

10º É objectivo deste primeiro manifesto, necessariamente imperfeito e apelativo ao contributo de todos, contribuir para o debate profundo e atempado da Reforma do Estado Previdência, considerando esta como aquela que mais tem a ver com a realidade e qualidade do quotidiano dos Portugueses, e, como tal, um tema sempre central no debate político.

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