Celebramos a 15 de setembro os 44 anos da criação do Serviço Nacional de Saúde.
Por coincidência este é também o Dia Internacional da Democracia, instituído pelas Nações Unidas em 2007, em referência à Declaração Universal da Democracia, adotada pela União Interparlamentar (UIP). A UIP é uma organização internacional dos parlamentos dos Estados Soberanos cujas áreas de atuação são preferencialmente a democracia representativa, desenvolvimento sustentável, direitos humanos e direito humanitário, igualdade de género, educação, ciência e cultura, entre outros.
E, se consenso existe na sociedade portuguesa, é que o acesso à saúde que o Serviço Nacional de Saúde garantiu e garante, foi e é, a maior conquista civilizacional do pós 25 de Abril. O SNS não olha à situação económica ou social de quem a ele recorre, não recusa cuidados de saúde ou medicamentos mesmo que sejam inovadores e onerosos, não inicia tratamentos e interrompe-os porque o doente não os pode pagar, não se escusa de enfrentar pandemias ainda que isso possa, por momentos, fazer aumentar as listas de espera. O SNS salva vidas nas áreas mais remotas e está presente, através dos vários meios – viaturas rápidas de emergência médica e helicópteros), para responder a todo o tipo de necessidades: enfartes, acidentes rodoviários ou outros, etc.
O nosso SNS é democrático porque também cuida de quem não é cidadão português e porque sendo um conjunto de serviços e instituições com implantação em todo o território, garante o acesso a todos os cidadãos aos cuidados de saúde.
Devemos ao SNS a melhoria da maioria dos indicadores de saúde dos portugueses e, porque também é uma “escola”, o SNS tem produzido ao longo dos últimos 44 anos os melhores e mais competentes profissionais de saúde. A emigração crescente destes profissionais é demonstrativa disso mesmo.
Mas, se o SNS tem equipamentos e profissionais e se consegue superar-se para dar resposta, qual ou quais as razões para ser tão criticado.
Bom, importa afirmar que muitos dos que não o queriam em 1979 continuam a não o querer agora. E, os que chamam a si a responsabilidade de o ter criado, muitas vezes o “atraiçoam” com atos e omissões.
Sim, o SNS está hoje numa encruzilhada pela sucessiva e continuada suborçamentação seja por aqueles que nunca o quiseram e nos governaram, ainda que por períodos, ao longo dos últimos 44 anos seja pelos outros que também governaram e, tantas vezes, cedido às políticas neoliberais, atual governo incluído.
As cativações dos últimos anos é mais um exemplo. Sendo verdade que o orçamento do SNS tem vindo a aumentar, não é menos verdade que uma parte substancial é para pagar as dividas crónicas, para pagar o recurso cada vez maior ao setor privado.
A entrega às farmácias da vacinação da gripe e do COVID aos maiores de 65 anos é disso exemplo. E vejam bem a incongruência. Durante a pandemia do COVID o SNS e os enfermeiros conseguiram vacinar (várias doses) a população portuguesa sem sobressaltos e Portugal foi aplaudido pelos parceiros internacionais.
Como é que se explica que na ausência de pandemia a vacinação passe a ser feita pelas farmácias? A única explicação é o permitir que o setor privado lucre com a doença. É mais dinheiro dos contribuintes que ao invés de reforçar o SNS é transferido para o setor privado. É o “fraquinho” do governo e do PS pelas tais políticas neoliberais. Esta opção é ainda mais inaceitável quanto, reconhecendo que os nossos maiores de 65 anos apresentam uma ou mais doenças crónicas é imprescindível que o seu acompanhamento seja feita pela sua equipa de saúde e, dentro dela, por aqueles que mais competências transversais têm, os enfermeiros.
Mas existem outros problemas no SNS. Desde logo a gestão das instituições cujas administrações deveriam ser eleitas e que por serem nomeadas consideram que têm mais deveres perante quem os nomeou. Aqui falha a democracia institucional. A gestão é hoje menos participada e imposta de cima para baixo, sem a participação dos profissionais de saúde. Outro problema é a acessibilidade, sendo este, talvez o problema que mais queixas gera por parte dos portugueses. As dificuldades na acessibilidade não acontecem só pela falta de recursos humanos em algumas áreas. Acontecem porque, por exemplo, os centros de saúde na sua maioria apenas funcionam até às 20 horas e estão encerrados aos fins-de-semana; acontecem porque ninguém controla (ou quer controlar) a forma como muitas vezes são geradas as listas de espera para consultas ou intervenções cirúrgicas. Alguém consegue explicar como é que no programa de recuperação de listas de espera é possível fazer 10 a 20 cirurgias de uma determinada especialidade e fora desse programa apenas 2, 3 ou 5… Da mesma forma, como se explica que se adquira tecnologia de ponta para habilitar este ou aquele hospital para fazer exames complementares de diagnóstico e, ainda assim, os doentes sejam enviados para o setor privado para os fazer.
Tem problemas de funcionamento porque, entre outros problemas, é inaceitável que não exista sistemas informáticos comuns a centros de saúde e hospitais e, em algumas destas instituições não exista sequer cobertura de rede suficiente. Sim, porque a fibra ótica está muito longe de cobrir todo o território nacional pondo em causa, muitas vezes, o recurso à telemedicina.
E sim, faltam recursos humanos no SNS e os que lá estão não são valorizados como deveriam. E por isso a exigência da valorização das carreiras e do regime de exclusividade. Não vale a pena insistir que os profissionais não querem a exclusividade porque querem trabalhar em mais do que um sítio. Talvez seja assim para alguns. Na sua maioria e cada vez mais os trabalhadores querem ter uma vida profissional que seja compatível com a sua vida pessoal e, por isso, creio que se os profissionais sentissem que o seu trabalho era valorizado em termos de salário, na sua maioria, manter-se-iam apenas no SNS contribuindo também dessa forma para acabar com esta absurda promiscuidade entre público e privado que só favorece este último. Mas também aos recursos humanos falta uma cultura de trabalho em equipa em que ninguém se sobrepõe a ninguém porque todos, dentro da sua área de competência, têm autonomia para decidir. Infelizmente constata-se a vários níveis um retrocesso a que não é alheio a falta da tal gestão participada.
O SNS precisa de ser cuidado tal qual os profissionais cuidam dos doentes e os portugueses merecem mais SNS. Pagam dos seus impostos o suficiente para que o SNS funcione mais e melhor, que se adquira mais melhores equipamentos, que se apoie a investigação e que se planifique a longo prazo as necessidades em recursos humanos.
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