O projeto “Diabetes e o meio ambiente”, coordenado pela Enfermeira Sandra Soares e pela Pediatra Filipa Espada, ambas da Unidade Local de Saúde de Matosinhos, foi apresentado na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde, no âmbito do 10º Congresso Internacional dos Hospitais, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH). Este projeto pioneiro em Portugal aborda a importante questão da gestão de resíduos resultantes do tratamento da diabetes, uma doença que afeta milhões de pessoas em todo o mundo.
Sandra Soares, enfermeira e uma das responsáveis pelo projeto, iniciou a apresentação contextualizando a situação atual da diabetes. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que existam 8,5 milhões de pessoas no mundo com diabetes tipo 1, sendo que 1,5 milhões são crianças e adolescentes. Em Portugal, acredita-se que cerca de 1 milhão de pessoas sejam afetadas por esta doença.
A apresentadora fez uma breve viagem pela história da diabetes, lembrando que até ao início do século XX, esta era uma doença mortal. A descoberta da insulina marcou uma mudança de paradigma no tratamento, mas foi apenas no início do século XXI que se assistiu a uma verdadeira revolução tecnológica. Atualmente, existem sistemas integrados que combinam bombas de insulina com algoritmos de inteligência artificial e monitorização contínua da glicemia.
No entanto, esta evolução tecnológica trouxe consigo um novo desafio: a produção de uma grande quantidade de resíduos. Conscientes desta problemática, a equipa da Unidade Local de Saúde de Matosinhos decidiu abordar o tema da pegada ecológica no Dia Mundial da Diabetes de 2019, com o lema “Controla a tua diabetes, reduz a pegada ecológica”.
Durante este evento, a equipa apercebeu-se de que muitos pacientes não sabiam como descartar corretamente os resíduos resultantes do tratamento da diabetes, especialmente os materiais cortoperfurantes. Muitos destes resíduos acabavam no lixo comum, representando um risco para a saúde pública.
Perante esta realidade, a equipa decidiu investigar as práticas internacionais e a legislação portuguesa sobre o assunto. Descobriram que apenas em março de 2023 foi publicado um decreto-lei que responsabiliza os produtores dos dispositivos pela recolha de 75% ou mais destes resíduos, mas apenas até 2030. Reconhecendo a necessidade de uma solução imediata, a equipa desenvolveu um projeto para sensibilizar e criar condições para que os pacientes e suas famílias pudessem separar corretamente os resíduos resultantes do tratamento da diabetes.
O projeto foi desenvolvido utilizando a metodologia do ciclo PDCA (Plan-Do-Check-Act). Na fase de planeamento, a equipa identificou a necessidade de ensinar os pacientes sobre a correta separação dos resíduos, especialmente os cortoperfurantes. Inicialmente, encontraram apenas duas farmácias no concelho de Matosinhos que aceitavam estes resíduos, mas esta solução era pouco eficaz devido à distância e inconveniência para muitas famílias.
A preocupação com a sustentabilidade ambiental era partilhada por toda a equipa, que estava ciente da quantidade significativa de resíduos gerados pela gestão da diabetes. Além disso, reconheceram a importância de proteger os profissionais de recolha de lixo e a comunidade em geral de possíveis acidentes com materiais cortoperfurantes.
A equipa procurou informações sobre a correta separação de todos os resíduos resultantes da gestão da diabetes, colaborando com a gestão de resíduos do hospital. Descobriram que a melhor solução para os materiais cortoperfurantes era pedir aos pacientes que os trouxessem numa garrafa de água vazia, que seria posteriormente enviada para incineração. Esta opção revelou-se mais eficiente e económica do que os contentores específicos para cortoperfurantes.
Foi dada formação a todos os profissionais envolvidos, incluindo endocrinologistas, enfermeiros da consulta, enfermeiros do serviço de investigação e tecnologia clínica, saúde pública hospitalar e o responsável pela gestão de resíduos da instituição.
Com as condições necessárias reunidas, a equipa iniciou a implementação do projeto. Começaram por aplicar um questionário de avaliação de conhecimentos a todas as crianças e adolescentes diabéticos e suas famílias durante as consultas. O questionário avaliava o destino que davam aos materiais resultantes da gestão da diabetes. Com base nas respostas, foi fornecida formação personalizada para corrigir as falhas identificadas na separação dos resíduos.
O estudo foi desenhado como um estudo quase experimental, utilizando uma amostra não aleatória de conveniência das crianças e adolescentes acompanhados na unidade. Foram incluídas 55 crianças e adolescentes e suas famílias, sendo que 47 completaram todas as fases do estudo. A duração média da intervenção foi de 3,7 meses.
Os resultados iniciais revelaram práticas preocupantes. Em relação aos materiais cortoperfurantes, 89,1% dos participantes depositavam-nos no lixo comum. No caso do plástico, 85,5% tinham o mesmo comportamento, e para o papel, 83,6% também o colocavam no lixo indiferenciado.
Após a intervenção, os resultados mostraram uma melhoria significativa. Apenas 4% dos participantes continuavam a depositar os materiais cortoperfurantes no lixo comum. Para o plástico, esta percentagem baixou para 13%, e para o papel, para 15%.
Para quantificar o impacto da intervenção, a equipa pediu a algumas famílias que pesassem os resíduos de plástico, papel e materiais cortoperfurantes utilizados durante duas semanas. Com base nestes dados, estimaram o peso mensal dos resíduos que anteriormente iam para o lixo comum e que passaram a ser corretamente separados.
Os resultados foram impressionantes. No início da intervenção, 4.046 gramas de plástico iam mensalmente para o lixo comum. Após a intervenção, 3.760 gramas passaram a ser reciclados. Em relação ao papel, inicialmente 5.016 gramas iam para o lixo comum, e após a intervenção, 4.092 gramas passaram a ser reciclados. Quanto aos materiais cortoperfurantes, 2.050 gramas eram inicialmente depositados no lixo comum, e após a intervenção, 1.950 gramas passaram a ser corretamente encaminhados para incineração.
O sucesso do projeto levou a equipa a planear a sua expansão. Pretendem manter a capacitação para a separação adequada dos resíduos resultantes da gestão da diabetes logo desde o internamento ou na primeira consulta, garantindo que todos os utentes recebam uma formação equitativa e personalizada, tendo em conta que nem todos usam os mesmos dispositivos para tratar a diabetes.
O projeto já está a ser replicado na consulta de endocrinologia de adultos da mesma instituição e noutras consultas de pediatria de outros hospitais, nomeadamente em Vila Franca de Xira e no Hospital de São Francisco Xavier.
Para o futuro, a equipa tem planos ambiciosos. Pretendem calcular o impacto ambiental de forma mais detalhada e realizar um estudo que aprofunde o impacto económico e a pegada ecológica dos resíduos. Existe também a possibilidade de criar uma resposta a nível da comunidade para outras doenças que geram resíduos cortoperfurantes, possivelmente em colaboração com a Câmara Municipal.
Sandra Soares enfatizou que este é o primeiro projeto em Portugal a medir o peso dos resíduos gerados por cada doente no tratamento da diabetes. Além disso, destacou a atualidade do tema, mencionando que no Parlamento Europeu, por ocasião da comemoração do Dia Mundial da Diabetes, foi abordado o tema “Rethinking Care for a Sustainable Future” (Repensando o Cuidado para um Futuro Sustentável).
A equipa pretende demonstrar o impacto ambiental da separação incorreta dos resíduos e enfatizar o papel dos profissionais de saúde como agentes de mudança. Acreditam que, para além dos cuidados de saúde habituais, podem também promover práticas ambientalmente responsáveis durante as consultas.
Este projeto representa um passo importante na interseção entre cuidados de saúde e sustentabilidade ambiental. Ao educar e capacitar pacientes e famílias para gerir corretamente os resíduos resultantes do tratamento da diabetes, a equipa da Unidade Local de Saúde de Matosinhos está a contribuir não só para a melhoria da saúde pública, mas também para a proteção do meio ambiente.
A abordagem holística do projeto, que considera não apenas o tratamento da doença, mas também o seu impacto ambiental, pode servir de modelo para outras iniciativas semelhantes em diferentes áreas da saúde. Além disso, ao envolver ativamente os pacientes e suas famílias na gestão dos resíduos, o projeto promove uma maior consciencialização ambiental e um sentido de responsabilidade partilhada.
O sucesso do projeto “Diabetes e o meio ambiente” demonstra o potencial de iniciativas locais para abordar desafios globais. Ao adaptar as melhores práticas internacionais ao contexto local e trabalhar em estreita colaboração com pacientes e profissionais de saúde, a equipa conseguiu criar uma solução eficaz e sustentável para um problema complexo.
A replicação do projeto noutras unidades de saúde e a sua potencial expansão para outras áreas médicas são indicadores claros do seu valor e relevância. À medida que mais instituições de saúde adotam práticas semelhantes, o impacto cumulativo na redução de resíduos e na promoção da sustentabilidade ambiental pode ser significativo.
O projeto também destaca a importância da educação contínua e da comunicação eficaz na área da saúde. Ao fornecer informações claras e formação personalizada, a equipa conseguiu mudar comportamentos e práticas enraizadas, demonstrando que a educação pode ser uma ferramenta poderosa para promover mudanças positivas.
Além disso, o projeto sublinha a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para enfrentar os desafios da saúde moderna. Ao envolver profissionais de diferentes áreas – desde médicos e enfermeiros até especialistas em gestão de resíduos – a equipa foi capaz de desenvolver uma solução abrangente e eficaz.
O reconhecimento do projeto na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde é um testemunho da sua inovação e impacto. Serve também como um incentivo para outras instituições de saúde explorarem formas de integrar práticas sustentáveis nos seus serviços e operações.
À medida que o mundo enfrenta desafios crescentes relacionados com as alterações climáticas e a sustentabilidade ambiental, iniciativas como esta ganham ainda mais relevância. O setor da saúde, como um dos maiores consumidores de recursos e produtor de resíduos, tem um papel crucial a desempenhar na promoção de práticas mais sustentáveis.
O projeto “Diabetes e o meio ambiente” demonstra que é possível conciliar cuidados de saúde de qualidade com responsabilidade ambiental. Ao fazê-lo, não só melhora a qualidade de vida dos pacientes, mas também contribui para um futuro mais sustentável para todos.
Em conclusão, o projeto apresentado por Sandra Soares e Filipa Espada na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde representa um avanço significativo na gestão de resíduos médicos e na promoção da sustentabilidade no setor da saúde. A sua abordagem inovadora, que combina educação, envolvimento do paciente e colaboração multidisciplinar, oferece um modelo promissor para outras instituições de saúde que procuram reduzir o seu impacto ambiental sem comprometer a qualidade dos cuidados prestados.
Em última análise, o projeto “Diabetes e o meio ambiente” não é apenas sobre a gestão de resíduos médicos; é sobre repensar a forma como abordamos os cuidados de saúde num mundo cada vez mais consciente dos desafios ambientais. Ao demonstrar que é possível melhorar simultaneamente os resultados de saúde e a sustentabilidade ambiental, este projeto abre caminho para uma nova era de cuidados de saúde mais holísticos e responsáveis.
HealthNews
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