Aumento de jovens com dependências e problemas psiquiátricos preocupa Comunidade Vida e Paz

30 de Março 2025

Os casos de jovens viciados em drogas e com problemas psiquiátricos aumentaram nos últimos meses no centro terapêutico Quinta da Tomada, da Comunidade Vida e Paz, embora a média de idades permaneça acima dos 50 anos, entre toxicodependentes e alcoólicos.

Em entrevista à agência Lusa, numa visita à comunidade terapêutica, uma de duas que a instituição tem para tratamento e reabilitação de pessoas com problemas de adição, a diretora adiantou que nos últimos 10 anos tem-se vindo a alterar tanto o perfil de quem procura ajuda, como o tipo de droga consumida.

De acordo com Rita Rocha, a média de idades entre os 65 utentes está entre os 50 e os 55 anos, mas nos últimos dois meses aumentou a população mais jovem a receber tratamento no centro, que chegou com adições em ‘crack’ ou outras substâncias sintéticas e com quadros psiquiátricos associados, nomeadamente esquizofrenias.

Para a diretora, a explicação está, por um lado, no tipo de drogas disponíveis, com cada vez mais produtos feitos em laboratório, desconhecendo-se muitas vezes os seus componentes.

“Têm uma grande incidência a nível psiquiátrico e fazem danos que ainda desconhecemos a grandeza do que está a acontecer”, apontou.

Adiantou que esta tem sido uma alteração recente e que a incidência entre os utentes é de 50% por tratamentos ao álcool e os restantes 50% por toxicodependência. Entre as adições de droga, todas as pessoas que estão em tratamento são aditas em ‘crack’, a cocaína cozida.

“O ‘crack’ é mais barato [do que a cocaína] e tem um efeito muito maior e mais imediato. As pessoas criam uma dependência psicológica e física muito mais rapidamente”, explicou.

Segundo Rita Rocha, isso representa uma mudança nos consumos, já que há cerca de 10 anos era a heroína que dominava, a par da cocaína, enquanto o consumo de álcool aparecia “com muito menor incidência”.

“Não quer dizer que não existissem pessoas alcoólicas, mas o álcool é uma adição que leva mais tempo até que as pessoas peçam ajuda. A degradação é sempre muito mais demorada e é uma droga socialmente aceite”, apontou.

Ricardo Montero, 40 anos, está há seis meses em tratamento na Quinta da Tomada, depois de ter tentado deixar de consumir bebidas alcoólicas sem apoio médico e de isso quase lhe ter custado a vida.

Contou à Lusa que começou a beber aos 8 anos, na companhia de tios e primos, com os quais ia ter sempre que fugia de casa e das agressões físicas do padrasto, com quem vivia, juntamente com a mãe, depois da separação dos pais.

“Cheguei ao fundo do poço quando vejo que preciso da ajuda do meu pai. Quando cheguei ao momento em que realmente vi que precisava de ajuda, que não conseguia fazer as coisas sozinho e vi que estava a ser um fardo para a minha família, então tive que pedir ajuda”, recordou.

Nessa altura “já não tinha forças para andar, para trabalhar, para fazer nada” e “estava com consumos de cerca de seis litros de bagaço” por dia. Bebia de manhã à noite, pouco dormia, e “tinha sempre a garrafa ao lado”.

Chegou a dormir uns dias na rua antes de pedir ajuda ao pai, com quem esteve cerca de 30 dias até ter vaga para dar entrada na Quinta da Tomada.

“Eu digo que estou a fazer um tratamento aos meus sentimentos porque o álcool foi uma consequência de não saber lidar com as minhas emoções”, afirmou Ricardo, admitindo que se não tivesse havido “aquele momento de desespero”, que o levou a pedir ajuda, hoje “ou estaria na rua ou não estaria cá”.

Definiu como foco voltar a ter uma “vida dita normal”, regressar ao trabalho, dar-se bem com a família e recuperar o filho, que tem agora 9 anos.

Os objetivos de Ricardo são semelhantes aos de Bruno Pereira, 41 anos: reconstruir-se como pessoa, acabar o tratamento, fazer voluntariado, voltar a trabalhar, recuperar a relação com o filho de 16 anos.

Chegou à comunidade terapêutica depois de uma triagem no Espaço Aberto ao Diálogo, na zona de Chelas, em Lisboa, que apoia pessoas em situação de sem-abrigo.

Começou a consumir drogas aos 12 anos, depois da morte dos pais, e continuou durante “mais de 20 anos”.

“Consegui ainda, no meio disto tudo, construir uma família, construir um negócio”, contou.

“A droga sempre foi uma coisa de mim e acabei por viver mais tempo na rua do que em casa. Fui sem-abrigo, arrumei carros, roubei, vendi estupefacientes e quando já estava farto daquilo tudo pedi ajuda nesta casa”, relatou.

Começou por fumar haxixe, que lhe “abriu portas para outras drogas”: “Quando a minha mãe adoeceu, comecei a usar cocaína e depois fui para o ‘crack’”.

Está em recuperação há quase dois anos, “sem tocar em nada” e desta vez acredita que é definitivo: “Porque fui eu a pedir ajuda, porque tenho consciência de que é possível estar deste lado sem ter que usar, porque tenho consciência de que tenho um filho à minha espera”.

A diretora do centro adiantou que as mudanças que hoje se sentem no tipo de consumo têm reflexo no tipo de tratamento prestado, revelando que “as pessoas têm muita mais necessidade de acompanhamento psiquiátrico”, o qual, às vezes, obriga a internamentos hospitalares.

Por outro lado, como a média de idades está entre os 50 e os 55 anos, “as pessoas estão muito mais debilitadas” e com mais doenças associadas, o que traz o “grande desafio” para que se faça “um acompanhamento a nível do tratamento terapêutico”.

Segundo Rita Rocha, depois da questão terapêutica, o “desafio maior” está na reinserção destas pessoas, já que muitas não têm qualquer suporte familiar e precisam de respostas habitacionais e de emprego depois de terminarem o tratamento.

Lusa/HN

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