“Andamos agora habituados a falar em triliões por causa dos custos do confinamento” na sequência da pandemia da Covid-19, mas as estimativas para os custos de não combatermos eficazmente o problema da resistência aos antimicrobianos são de uma ordem de grandeza acima do que vai ser o custo da pandemia”, disse à agência Lusa Paulo Mergulhão, no Dia Europeu do Antibiótico.
O médico intensivista lembrou um relatório encomendado pelo Governo britânico sobre o impacto mundial do problema da resistência aos antimicrobianos e as estimativas em termos globais apontarem para que, se não se conseguir mudar a trajetória de evolução deste problema, em 2050 haverá 10 milhões de mortes por ano em consequência direta desta situação.
“Subjacente à pandemia do SARS-CoV-2 e da Covid-19 nós temos uma pandemia potencialmente muito mais complicada que precisamos de reconhecer e combater”, disse o também secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.
Para Paulo Mergulhão, o problema da resistência aos antimicrobianos tem resposta, não pode ser encarado “como uma fatalidade”.
“Em Portugal há bons exemplos de boa resposta, já conseguimos reduzir pelo menos a nível hospitalar o consumo de alguns antimicrobianos”, salientou.
Deu como exemplo os antibióticos de muito largo espectro que são usados para tratar as infeções por microrganismos multirresistentes, “os mais resistentes de todos”, que os médicos tentam reservar “o mais possível”.
“O Programa Nacional de Combate às Resistências e de Controle de Infeção definiu como objetivo diminuir o consumo de alguns desses antimicrobianos problema e isso foi feito de forma sustentável ao longo dos últimos três ou quatro anos”, sustentou.
Algumas bactérias multirresistentes muito características do hospital que era um problema quase endémico em Portugal há 10 anos, tem vindo a diminuir de forma sustentada em relação à sua incidência.
“Temos um problema gravíssimo não há dúvida nenhuma, mas é um problema que nós começamos a perceber como combater. Agora demora o seu tempo e a inércia muita”, comentou.
Sobre o consumo de antibióticos, Paulo Mergulhão disse que já estava a diminuir antes da pandemia, mas que agora “há o outro o reverso da medalha” que é preciso pensar, nomeadamente “se a sobrecarga dos sistemas de saúde e o elevado número de internamentos por Covid pode condicionar o aumento da utilização de antimicrobianos, principalmente nos casos mais graves”.
Na prática, o doente com Covid-19 tem uma pneumonia e às vezes é difícil ao médico distinguir uma pneumonia vírica de uma pneumonia causada por bactérias e, por vezes, podem coexistir.
“Nós podemos ter as duas coisas ao mesmo tempo e uma grande questão é se realmente o problema da Covid-19 vai aumentar de forma significativa os consumos de antibióticos nos hospitais e também há estratégias que permitem de certa forma combater essa possibilidade”, defendeu.
Por outro lado, é preciso passar a informação à população que a Covid-19 não é uma doença tratável com antibióticos.
Mas há outras áreas da sociedade que concorrem para o uso de antimicrobianos além da Medicina, como a medicina veterinária, a agropecuária e até a construção civil, em que são utilizadas há tintas impregnadas com fármacos antimicrobianos ou antifúngicos.
“Há uma utilização muito alargada, e ou conseguimos em conjunto regular este tipo de utilização, ou não vamos chegar a bom porto”, alertou.
Em Portugal o consumo de antibióticos começa a revelar alguma quebra, quer nos hospitais, quer na comunidade, contudo o país continua acima da média europeia na utilização de antibióticos e apresenta uma das mais elevadas taxas de infeções hospitalares da Europa.
Quase diariamente, internamentos para tratar pequenos problemas transformam-se em grandes problemas de saúde ou em mortes devido a infeções por bactérias multirresistentes hospitalares. E este tipo de bactérias pode já não estar restrito aos ambientes hospitalares, refere o GIS em comunicado.
LUSA/HN
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