O jornalista e investigador do ISCTE que tem trabalhado na área da desinformação afirmou à Lusa que as notícias falsas surgem muitas das vezes pela pouca distinção feita entre opiniões e factos dentro dos próprios meios de comunicação social.
“A maior parte das pessoas não sabe distinguir um facto de uma opinião, mesmo um jornalista tem dificuldade em fazê-lo”, garantiu Miguel Crespo, acrescentando que “é ainda mais complicado para o público distinguir quando temos num telejornal um espaço de notícias e um espaço de opinião, às vezes sem grande separação, ou comentadores a entrevistar pessoas, em vez de serem jornalistas”.
Paulo Martins, professor universitário do ISCSP e investigador na área da Ética e Deontologia Jornalísticas, reforça também que relativamente à Covid-19, e em nome do pluralismo de ideias, os media muitas vezes equiparam declarações cientificamente comprovadas com opiniões individuais e sem fundamento.
“A obrigação do jornalista não é só estender o microfone. É dizer quem diz a verdade e quem propaga mentiras”. Contudo, Paulo Martins afirma que este escrutínio é geralmente transferido para as mãos do público, contribuindo assim para a desinformação.
Com a pandemia, os meios de comunicação chegaram mesmo a transmitir informações erradas sobre o novo coronavírus, como as polémicas declarações de Donald Trump ou de Jair Bolsonaro, pelo peso do cargo político que detêm, sem muitas vezes serem alvo de uma correção ou contextualização, diz.
“Vimos responsáveis políticos a dizer para as pessoas fazerem x ou y e houve pessoas a morrer por causa disso, nos EUA e no Brasil, por exemplo. Mais tarde tivemos meios de comunicação social a fazer anúncios para que as pessoas não bebessem lixívia”, recordou Miguel Crespo, referindo-se ao episódio em que o ex-presidente norte-americano sugeriu, numa conferência de imprensa, o tratamento dos infetados por Covid-19 com injeções de lixívia e outros desinfetantes.
A necessidade de lançar em primeira mão a notícia, sacrificando a verificação prévia dos dados noticiados, é outro problema, para o qual Paulo Martins alerta, que pode mesmo resultar na partilha e difusão de informações falsas ou manipuladas, que põem em causa a base fundamental de veracidade do jornalismo. “A transmissão rápida da informação é a mãe de todas as mentiras”, afirmou, “há a ilusão de que o importante é transmitir rapidamente, quando na verdade temos é de reforçar a confiança que as pessoas têm na comunicação social. E elas colocam em primeiro lugar o rigor”.
Os media não cumprem igualmente o seu papel de separar “o que é realmente importante ou não”, fazendo com que a cobertura mediática relativamente ao novo coronavírus se torne por vezes excessiva e por consequência tenha um efeito contraprodutivo. “Há tanta informação sobre a Covid-19, que aquela que é verdadeiramente importante acaba perdida no meio”, explicou Miguel Crespo. “Muita informação nem sempre é o mesmo que uma melhor informação”, acrescentou Paulo Martins.
A pouca clareza da comunicação institucional e governamental também não facilita a transmissão da informação essencial para as massas por parte dos meios de comunicação.
Miguel Crespo admite ainda que as indicações do Governo acabam por se tornar complexas de traduzir, por serem na sua base maioritariamente sugestões e não se configurarem tanto como obrigações, prevendo ainda uma série de casos excecionais. “Provavelmente teria sido melhor para todos se o poder político assumisse algumas posições mais musculadas sobre, como por exemplo, o uso da máscara e determinar que era obrigatório em todas as situações. Isso seria uma mensagem simples”.
A alta instabilidade do panorama mundial atual exige também que os meios de comunicação estejam em constante adaptação e atualização, já que a cada dia que passa sabem-se novos factos sobre a pandemia que o mundo atravessa e, portanto, levantam-se novas questões e medidas a debater, o que contribui igualmente para a formação e circulação de mal-entendidos, notícias falsas ou desatualizadas na esfera social. “Estamos a ver a ciência a ser feita, o que a generalidade das pessoas não costuma ver. Tomam-se decisões com os dados que se têm num determinado momento e aquilo que há seis meses era uma indicação correta a tomar, hoje já não é”, explicou o jornalista.
LUSA/HN
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