“Não se tem lembrado muito. Por aquilo que é do nosso conhecimento, tem deixado um pouco abandonado, um pouco desprezado, um pouco esquecido o encontrar de soluções políticas para a situação que o sistema desportivo está a viver […]. Começa a ser tarde para encontrar respostas políticas que ajudem a amenizar o impacto que a situação pandémica está a ter sobre o sistema desportivo”, respondeu José Manuel Constantino ao ser questionado sobre se o Governo português se esqueceu do desporto durante a crise da Covid-19.
Contrariamente a outros setores da sociedade, o desporto não foi contemplado nos apoios criados por parte do Estado para mitigar os efeitos da pandemia, algo que o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) acredita resultar de uma combinação de ausência de vontade política e de falta de cultura desportiva por parte não só dos sucessivos Governos, mas também da opinião pública.
“O desporto não tem peso na agenda política do Governo, porque há uma deficiente perceção cultural sobre a sua importância na construção de uma sociedade moderna. Alguma razão tem de existir para o facto de a generalidade dos países europeus terem encontrado soluções para a situação e em Portugal elas ainda não terem ocorrido. Eu atribuo a isso à ausência de peso político na agenda governamental na área do desporto, e isso resulta de uma deficiente perceção sobre a importância cultural que o desporto tem na sociedade portuguesa”, vincou.
Esse esquecimento a que o desporto parece votado pelo poder político é um reflexo da sociedade portuguesa, já que, como notou José Manuel Constantino, “os políticos não são uma parte estranha ao país, fazem parte do país, refletem um pouco aquilo que é a sensibilidade que o país tem relativamente aos problemas, e eles próprios elegem as suas prioridades muito em função daquilo que é a sua leitura das preocupações do país”.
“Há aqui uma relação de mútuo efeito e, nesse sentido, a forma de superarmos esta situação terá de ser através de um combate de natureza cultural, tendo em vista, por um lado, sensibilizar os decisores políticos relativamente à importância do desporto, mas ao mesmo tempo também mobilizar a opinião pública em torno deste tema”, completou.
Uma das ‘discriminações’ de que o setor tem sido alvo é a interdição do acesso dos espetadores aos recintos desportivos, algo que o presidente do COP crê resultar da falta de “vontade do ponto de vista das autoridades de saúde de encontrarem soluções transitórias que, mitigando o problema, permitissem, com alguma segurança, a retoma de público nas competições desportivas”.
“Só posso entender nessa linha e entender também que não houve orientação política para que a situação fosse distinta daquela que é atualmente, porque há um conjunto de espetáculos onde é possível o acesso de público. Mesmo em Portugal, já houve espetáculos desportivos que correram bem, onde esse acesso foi permitido. Naturalmente que o quadro pandémico não é muito estimulante e é muito preocupante, mas eu creio que já houve um período em que teria sido possível encarar essa situação e regulá-la”, defendeu.
“De resto, as televisões, as fotografias de jornais mostram muitos espetáculos desportivos com centenas de pessoas a assistir fora do espaço desportivo propriamente dito, mas cá fora, à volta do campo. Enfim, em ajuntamentos que, naturalmente, comportam riscos. Eu creio que seria preferível deixar entrar essas pessoas e regulamentar a forma como se poderia ter acesso às bancadas. Mantendo as distâncias de segurança e os controlos de segurança, seria possível isso, seria preferível isso do que estarem cá fora completamente aglomerados, sem critérios, sem disciplina e correndo riscos”, reforçou.
O COP tentou, nesse sentido, sensibilizar quer o Governo, quer a Direção-Geral da Saúde (DGS), “sempre por via da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto”, que tem sido o seu “único e quase exclusivo interlocutor”, para a importância do regresso do público, um esforço no qual é acompanhado pelas federações desportivas, cientes das “dificuldades financeiras muito significativas” enfrentadas pelas “organizações de base”, uma realidade para a qual Constantino tem alertado desde o início da pandemia.
“Daí nós termos defendido logo em março a possibilidade de se criar um fundo especial de apoio ao desporto, que permitisse dotar as federações desportivas de meios financeiros suplementares para acorrer às situações de maior risco que estavam a viver e que se estão a viver ao nível da estrutura associativa de base”, lembrou.
Sobre os verdadeiros impactos da crise pandémica no setor a curto, médio e longo prazo, o presidente do COP disse não ter “resposta para tudo”, mas avançou que há “uma quebra muito significativa” nos indicadores de prática desportiva “num país que já os tinha baixos”, particularmente nos escalões de formação e nas modalidades de pavilhão.
“Nós estimamo-la em cerca de 52% […]. Se esses atletas vão ou não ser recuperados ou se vão migrar para outras modalidades, precisamos ainda de algum tempo para ter o quadro mais estabilizado e poder daí extrair alguma conclusão. Mas o risco é enorme. O risco de se perderem atletas, naturalmente, que precisa de ser rapidamente combatido, sob pena de termos aqui um problema gravíssimo a longo prazo”, estimou.
Consequência decorrente desta redução abrupta de praticantes é, segundo o responsável do COP, “uma perda também muito significativa de receitas, designadamente dos clubes e das coletividades que gerem a prática desportiva de base e onde a ausência deste número tão significativo de praticantes significou também uma perda de receitas”.
Embora alerte há meses – sem sucesso – para os gravosos impactos do novo coronavírus no desporto nacional, o dirigente prometeu, na entrevista à agência Lusa, que não vai desistir de tentar sensibilizar o executivo de António Costa para a crise do setor, “mesmo que o resultado não seja imediato”.
LUSA/HN
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