Num protesto junto ao Hospital São Sebastião, casa-mãe do centro hospitalar que serve cerca de 350 mil utentes do norte do distrito de Aveiro, representantes do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) defenderam que os direitos e condições de trabalho da classe enfrentam desde 2009 vários problemas que se manterão enquanto a tutela não homogeneizar procedimentos entre as diversas entidades do setor, como é o caso de administrações regionais de saúde (ARS) e hospitais públicos com gestão empresarial.
A iniciativa desta manhã integrou o calendário semanal de protestos que o sindicato pretende cumprir até ao final do verão em vários pontos do país e entre as suas principais reivindicações inclui-se o fim das discriminação que, num mesmo hospital, permite que um enfermeiro esteja sujeito a um contrato individual de trabalho e que outro, nas mesmas condições, disponha de um contrato de funções públicas – que envolve, por exemplo, mais regalias em termos de férias, menos carga horária semanal e maior evolução na carreira, sem perdas de antiguidade em caso de mobilidade.
“Há algumas instituições que já resolveram o problema porque têm autonomia para isso, mas há outras que remetem a responsabilidade para o Estado e é por isso que o Governo tem que tomar as rédeas desta situação, para impedir que cada estrutura faça como lhe apetece, com uma ARS a implementar uma coisa e as outras a seguirem procedimentos totalmente diferentes”, disse à Lusa o dirigente Fernando Carvalho.
Incorreta contabilização de pontos na escala de evolução da carreira, avaliações de desempenho por efetuar e vagas insuficientes para integrar os enfermeiros-especialistas nas categorias remuneratórias correspondentes à sua experiência são outros dos problemas que se vêm arrastando desde 2009, porque, embora no ano passado o Decreto-Lei 71/2019 tenha definido os novos termos da carreira de enfermagem, a tutela “não negociou com os sindicatos as regras da transição do modelo anterior para o atual”.
Essa crítica é de Vítor Reis, que, também enquanto dirigente do SEP, afirma que estes “ataques sucessivos” à classe geram “insatisfação e desmotivação” nos seus profissionais e, consequentemente, constituem uma “ameaça à qualidade e segurança do serviço prestado ao utente”.
Na generalidade, a situação no Hospital da Feira “não é das piores no país”, mas o sindicalista Paulo Anacleto aponta um caso emblemático resultante da inadequação da legislação em vigor: “Em Lisboa há uma enfermeira com 24 anos de serviço que está a ganhar o mesmo que o filho, que ainda agora acabou o curso e, ao começar a trabalhar, está a ganhar tanto como a mãe”.
Para o dirigente sindical, o absurdo da situação “é de uma profunda injustiça: faz com que 24 anos de serviço seja o mesmo que um único dia”.
“É por essas incoerências”, diz Paulo Anacleto, que tantos enfermeiros portugueses emigraram e, mesmo quando têm vaga em Portugal, “recusam voltar porque, para contratos individuais de quatro meses, às pinguinhas, sem efetivarem [no quadro] e sem direitos [iguais aos da restante função pública], não vale a pena”.
Fernando Carvalho reforça essa ideia, citando dados internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE): “A média europeia é de uns nove enfermeiros por cada 100 mil utentes e, em Portugal, anda nos cinco para cada 100 mil. Sem uma harmonização de direitos vertida na lei, vamos continuar com uma dificuldade gigantesca em admitir mais enfermeiros, que ainda são muitos poucos para as necessidades do Serviço Nacional de Saúde”.
Desse reforço de recursos humanos depende igualmente a renovação de equipas que garantirá maior segurança a profissionais e utentes, sobretudo no atual contexto da Covid-19. “A nossa luta antiga pela antecipação da idade de aposentação faz ainda mais sentido agora, para que os enfermeiros com 60 ou 65 anos não sejam obrigados a trabalhar durante a pandemia, quando eles próprios são um grupo de risco”, conclui Paulo Anacleto.
LUSA/HN
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