Em 05 de maio, o Ministério da Cultura anunciava a constituição de um grupo de trabalho conjunto com os ministérios do Trabalho e das Finanças “para análise, atualização e adaptação dos regimes legais dos contratos de trabalho dos profissionais de espetáculos e respetivo regime de segurança social”.
O grupo de trabalho, que se reuniu pela primeira vez, em reunião plenária, em 06 de junho é constituído por representantes dos três ministérios, da Direção-Geral das Artes (DGArtes), da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), da Direção-Geral da Segurança Social, da Autoridade para as Condições de Trabalho e da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Integram também o grupo diversas associações representativas dos vários setores da Cultura, entre as quais a fundação GDA, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE), a Plateia, a Performart, a Rede e a Associação Portuguesa de Realizadores (APR).
A Lusa contactou algumas destas entidades para conhecer as suas expectativas em relação ao estatuto e a quando este estará concluído. Além disso, a Lusa quis também tentar perceber se o estatuto, caso já estivesse em vigor este ano, teria permitido diminuir o impacto que a pandemia da covid-19 teve na vida dos profissionais do setor.
Para a Performart, “é positivo” que se esteja “finalmente a tratar deste assunto, que já há muito tempo deveria estar tratado e regularizado, mas infelizmente não está”. Além disso, a presidente daquela associação, Francisca Carneiro Fernandes, destaca a “forma positiva como está a ser feito, ou seja, envolvendo as associações representativas do setor ”.
A criação do estatuto passa por, “primeiro que tudo, reconhecer que há especificidades dos profissionais do setor que têm que ser protegidas”.
“Precisamos de cuidar destes profissionais, de forma a que este setor funcione o melhor possível e que eles não continuem a viver na precariedade em que têm vivido até hoje. Este é um pressuposto essencial e acreditamos e esperamos que este estatuto seja um passo nesse sentido”, afirmou.
Posição semelhante tem a Plateia, para quem a criação do estatuto “é uma oportunidade para se alterarem de facto as formas como se trabalha no setor genericamente, neste momento, que são de uma grande precariedade, de uma ausência de direitos laborais e de proteção social, porque há uma cultura da generalização do falso recibo verde e do falso ‘outsourcing’”.
“É importante que essas pessoas, que não trabalham de forma mais regular, tenham um acesso à proteção no desemprego ou na inatividade. E é essa a grande expectativa que temos relativamente a este estatuto, a adequação da proteção social e de encontrar uma forma de contribuições, de prazos e de tempos de apoio adequado às especificidades do setor”, afirmou a presidente da direção da Plateia, Amarílis Felizes.
O estatuto, salienta o CENA-STE, “pode ser uma ferramenta boa para se tentar desfazer a precariedade que existe no setor, ou uma ferramenta que pode ser terrível, no sentido da eternização da precariedade e até da contaminação para outras atividades”.
“O nosso problema é que, neste momento, está numa indefinição muito grande”, afirmou o dirigente sindical Rui Galveias.
Sara Goulart, da Rede, explica porquê: “O processo dura há muitos meses e só recentemente é que foram apresentadas as questões que realmente interessam e que fazem a diferença”.
O estatuto foi dividido em três grandes temas: registo profissional, regime laboral e regime contributivo, e o terceiro, considerado o mais importante pelas várias entidades, ainda está em discussão.
“A grande novidade virá, de facto, nesta terceira parte, que é a parte que diz respeito à proteção social. Estamos num bom caminho quando há um conjunto de compromissos que a ministra do Trabalho e Segurança Social fez, como assumir a possibilidade de um regime específico para o setor da Cultura, porque o setor tem especificidades grandes, mas enquanto o grupo de trabalho não tiver capacidade de apresentar uma proposta concreta com contas efetivamente feitas é muito difícil pronunciarmo-nos”, afirmou Sara Goulart.
Também para o CENA-STE, na terceira parte “há propostas interessantes do ponto de vista do acesso ao subsídio de desemprego pelos trabalhadores independentes”, mas salienta a necessidade de haver um articulado feito para se perceber “de que forma é que [o subsídio] chega e como é que se relaciona com as características e especificidades do trabalho no setor”.
“Sem ter a certeza dessa terceira parte, não conseguimos aferir se o documento é bom ou mau”, afirmou Rui Galveias.
A APR lembra que, na última reunião plenária, foi dito às várias entidades “que [os representantes do Governo] iam estudar um regime autónomo para a Cultura”. “Parece-nos muito interessante, mas faltam dados. É uma proposta muito abstrata e só podemos avaliá-la se tivermos números: tempo de subsídio, quais são os prazos de garantia, como é que isto funciona mesmo na prática, porque sem dados não conseguimos avaliar se é bom ou mau”, afirmou Miguel Moraes Cabral.
Segundo Amarílis Felizes, da Plateia, foi transmitido na reunião que “só em janeiro é que a Segurança Social irá fazer os cálculos para haver propostas concretas de como vai ser este subsídio, qual vai ser o valor ou a correspondência entre rendimentos e o valor do subsídio, por quanto tempo as pessoas podem receber o subsídio”.
“Só em janeiro é que vamos poder pronunciar-nos sobre isto, que é o cerne da discussão de todo o estatuto”, disse.
Em 25 de maio, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, comprometia-se a ter o chamado ‘estatuto do intermitente’ finalizado até ao final do ano. Entretanto, reiterou esse compromisso por diversas vezes, mas as entidades representativas do setor preferiam ter mais tempo.
“Parece que estamos a chegar ao fim, mas a nossa posição não é essa. Nós estamos ainda mais ou menos a meio de um processo que para nós é fundamental”, afirmou Miguel Moraes Cabral, acrescentando que “não serve de nada acelerar o processo até ao fim do ano, para ter um estatuto que não tenha muita consistência”.
Sara Goulart sublinha que “não há vontade nenhuma de apressar o processo e tê-lo encerrado até ao fim do ano, sendo que o fim do ano é para a semana”. “É preferível ter um bom estatuto que dê respostas às necessidades do setor do que estar a encerrar um processo para a semana para cumprir calendário”, afirmou.
Também para a Performart “o pouco tempo que existe não é muito favorável à melhor solução”, visto que “há várias questões bastante complexas, que envolvem decisões não só do Ministério da Cultura, mas também do Ministério do Trabalho e Segurança Social”.
Rui Galveias tem “a certeza que esta negociação terá que continuar pelo ano de 2021, porque o estatuto só será lei em 2022”. “Podemos eventualmente chegar a bom porto com ele, mas está muito longe disso”, defendeu.
Em relação ao regime laboral, a APR lembra que “uma grande parte” que consta da proposta de estatuto “já existe dentro da lei laboral, e o grande problema é a lei não ser respeitada”.
Esta posição é reforçada pela Plateia: “O que este estatuto tem [em relação ao regime laboral] é uma reprodução do que já existe, mais do que essa reprodução, é necessário garantir formas de ela ser efetiva”.
Num ano em que a grande maioria dos profissionais do setor ficou com pouco ou nenhum trabalho, devido à pandemia da covid-19, poderia o estatuto do profissional da cultura, caso existisse, ter minorado ou mesmo evitado as dificuldades que enfrentam?
A Rede considera que “as coisas poderiam ter sido diferentes, mas “ainda assim, não invalida que não houvesse, e não continue a haver, uma tremenda necessidade de uma resposta de emergência que nunca houve verdadeiramente à escala da necessidade do setor”.
“Se nós tivéssemos em janeiro um estatuto em vigor e tivéssemos um problema semelhante ao da pandemia, nós continuaríamos a ter o mesmo problema. Ou seja, a existência de um estatuto resolve aquilo que são problemas estruturais. Há situações de exceção e de emergência que são resolvidas com respostas de emergência”, defendeu Sara Goulart.
Posição semelhante tem a APR: “Se houvesse um estatuto que correspondesse às realidades do setor, é óbvio que a pandemia não teria tanto impacto nas pessoas, mas é preciso resolver duas questões: uma questão para o futuro, que é o estatuto, e uma para o presente, que são os apoios imediatos para as pessoas que não conseguem viver, não conseguem pagar a renda de casa, não conseguem comer”.
Para o CENA-STE, “se já existisse o estatuto com a promessa da terceira parte minimizava alguns danos, mas não resolve os problemas principais”.
LUSA/HN
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