“Não podemos estar só centrados no número de mortos que nos preocupa muito, e é um grande problema, mas também temos que nos preocupar como é que estas pessoas que morreram foram cuidadas, que cuidados e apoios tiveram, que alívio sintomático tiveram, que apoio tiveram estas famílias nesta fase difícil das suas vidas”, disse à agência Lusa a nova presidente da APCP, Catarina Pazes.
Para a enfermeira, os profissionais “mais preparados e mais habilitados para pensar sobre isto” são os que trabalham em cuidados paliativos, que deviam participar no planeamento e na organização de cuidados que se vão prestar a casa, nas instituições e nos hospitais.
“Isso não tem acontecido ou tem acontecido um pouco muito menos do que seria possível e seria desejável”, disse Catarina Pazes.
Esse planeamento é “absolutamente essencial” e com a pandemia de covid-19 “tornou-se ainda mais essencial para que as pessoas possam receber os cuidados que precisam, mas sem recurso à obstinação terapêutica, que são todos os cuidados desproporcionados, são os cuidados que, provocando mais sofrimento, não alívio, não são benéficos para o doente”.
Por outro lado, também é importante acompanhar a família: “a forma como se vive a fase final da vida de um ente querido tem uma influência direta muitas vezes na forma como se vai viver o luto”.
“Aquilo que está a acontecer é um afastamento das pessoas nesta fase da vida, muitas vezes sem acesso a uma despedida, a um momento privado, a momentos de reparação de várias situações que normalmente é nestas fases que se consegue fazer”, adiantou a enfermeira especialista em cuidados paliativos.
Sem um apoio direcionado, vincou, “estas mortes estão a ocorrer num contexto de afastamento, e esse afastamento está a ser muito pesado no momento em que se vive, mas terá certamente repercussões no luto e nas dificuldades ao nível psicológico e emocional que as pessoas vão ter no futuro”.
Para a enfermeira, esta situação também tornou evidente “o urgente desenvolvimento” de uma resposta de cuidados paliativos ao nível da comunidade, com equipas especializadas que se deslocam ao local onde as pessoas vivem, em casa ou numa instituição, e podem ajudar os cuidadores a “ajustar e adequar cuidados”, garantido também cuidados à distância, através de uma resposta telefónica permanente, que “dá uma segurança e uma mudança muito grande aos recetores dos cuidados”.
Para a enfermeira, também é preciso repensar o investimento no Serviço Nacional de Saúde: “todos defendemos um maior investimento, mas também é preciso repensá-lo porque sempre que cuidamos mal, não quer dizer que não estejamos a gastar dinheiro”.
“Quando se recorre a uma obstinação terapêutica estamos a gastar muito dinheiro, mas a tratar mal e a ter custos para todos, a nível de sofrimento e do que pagamos enquanto contribuintes, portanto, nem sempre o maior investimento significa só e apenas mais dinheiro significa o repensar daquilo que são as ofertas e os cuidados oferecidos às pessoas”, salientou.
A APCC refere que numa altura em que a taxa de mortalidade aumentou significativamente em 2020, comparado com os últimos cinco anos, e que apenas metade desse número se deve às mortes por covid-19, importa perceber o que está a acontecer no SNS.
“A pandemia permitiu identificar a ausência de uma rede de cuidados de saúde para satisfazer as necessidades que existiam e que estão claramente a agudizar e a importância de se priorizar os cuidados paliativos e reforçar os profissionais qualificados e especializados no SNS e nos lares”, defendeu.
A APCP acredita que “se os cuidados paliativos tivessem sido priorizados na batalha contra a covid-19 teria havido menos pessoas a morrer sozinhas e com dor”.
LUSA/HN
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