“O que não podemos é ter um sistema em que quem planeia e quem executa estão separados. É altura de Portugal perceber que com esta dissociação entre quem planeia e quem executa não se vai conseguir”, afirmou Miguel Xavier, que falava durante a audição da Comissão Parlamentar de Saúde.
O responsável sublinhou a importância de abandonar um sistema centrado apenas nos hospitais, aproximando-o dos cidadãos, através dos cuidados de saúde primários.
“Uma parte importantíssima do sofrimento psicológico é o sofrimento psicológico ligeiro e moderado, que deve ser tratado nos cuidados de saúde primários, que não estão preparados, pois não têm nem os programas, nem os recursos humanos necessários”, disse, frisando a necessidade de contratar psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais, “nomeadamente numa fase em que, como agora, os determinantes económicos são tão importantes”.
Considerou ainda que se os programas de depressão e ansiedade estivessem a funcionar nos cuidados de saúde primários, articulados com as equipas comunitárias, “o impacto da Covid nas perturbações ligeiras e moderadas seria muito menor”.
“Mas, para isso, é preciso pôr lá os programas e as pessoas. Não sozinhas, mas a trabalhar de forma articulada”, disse.
Questionado sobre se os 85 milhões de euros previstos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) serão suficientes, respondeu: “Parece suficiente para as reformas estruturais básicas de que o país precisa. Mas é importante, a partir daí, que se mantenha a saúde mental como prioritária, mesmo depois da Covid passar”.
Disse ainda que, apesar de em termos absolutos não parecer um valor muito elevado, é muito mais do que o que se investiu nos últimos 20 anos.
“Investiu-se cinco milhões nos programas inovadores em saúde mental. Depois disso, as verbas foram só para o regular funcionamento dos serviços”, afirmou.
Miguel Xavier sublinhou ainda a necessidade de ter “financiamentos correspondentes e proporcionais à carga da doença”, explicando que a carga da saúde mental em Portugal representa 16% e o investimento proporcional é de 5%.
Sobre os efeitos psicológicos da pandemia e do confinamento, disse que as prescrições de antidepressivos aumentaram entre 2019 e 2020, mas não muito, e que o consumo de ansiolíticos baixou, “quando seria até expectável que aumentasse”.
Contudo, chamou a atenção para a importância dos fatores socioeconómicos, que considerou determinantes para o aparecimento de problemas de saúde mental.
“O desemprego e a pobreza são determinantes claros no aparecimento de situações de ansiedade e depressão. É preciso cautela especial à criação de apoios socioeconómicos porque eles, indiretamente, vão contribuir para a melhoria da saúde mental das populações. Senão, o risco que se corre, é estar a psiquiatrizar situações de carência económica, coisa que nenhum de nós quer”, afirmou.
LUSA/HN
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