Isabel Magalhães sobre o cancro do pulmão : “Importa sensibilizar a população para a importância do fator tempo”

08/20/2021
“O atraso no diagnóstico, já por si muitas vezes tardio, constituirá a maior preocupação decorrente da pandemia, no que se refere ao cancro do pulmão”, afirma Isabel Magalhães, presidente da Associação Portuguesa de Luta Contra o Cancro do Pulmão (Pulmonale).

HealthNews (HN) –  O cancro do pulmão é o mais mortal em todo o mundo?

Isabel Magalhães (IM) – O cancro do pulmão continua a ser a doença oncológica mais mortal no mundo, sendo responsável por uma em cada cinco mortes por cancro (OMS).

HN‒ Em Portugal, continua a ser diagnosticado numa fase tardia? Quais são as consequências?

IM – O cancro do pulmão é, em grande parte das vezes, diagnosticado em fase avançada o que reduz as alternativas de tratamento, repercutindo-se em piores resultados. Tal deve-se a um conjunto de fatores de que ressalta o facto de ainda não existir, em Portugal e num grande número de países, um rastreio populacional de deteção do cancro do pulmão. Assim, a valorização dos sintomas – muitas vezes quase ligeiros, confundidos com outras patologias ou associados ao agravar de sintomas do fumador – não acontece, tendo como consequência o diagnóstico em fase avançada da doença.

HN ‒ O risco de doença pulmonar nos fumadores continua a ser muito superior ao da população não fumadora?

IM – O tabagismo é uma das principais causas de morte evitável no mundo, estando associado a várias patologias, nomeadamente do foro respiratório. O cancro do pulmão, não sendo exclusivo de fumadores e ex-fumadores, surge maioritariamente associado ao consumo de tabaco.

HN –  A Pulmonale está focada essencialmente na prevenção. Quais são as suas principais linhas de ação?

IM – A Pulmonale foi constituída no final de 2009, tendo iniciado as suas atividades na área da prevenção. Conhecendo-se a principal causa desta patologia, há que convergir esforços na prevenção primária, sensibilizando a população e os jovens em particular para os malefícios do tabaco e promovendo a cessação tabágica. Atualmente , a Pulmonale desenvolve atividades em torno das várias temáticas que integram a sua missão, com especial destaque para a informação dirigida ao público em geral sobre o cancro do pulmão, o apoio ao doente e cuidador, a cooperação com outros organismos nacionais e internacionais.

HN ‒ Considera que estar atento aos sintomas é essencial para um diagnóstico precoce num momento em que a pandemia atrasou rastreios e consultas?

IM – Conhecer, estar atento, não desvalorizar os sintomas, de forma a possibilitar um diagnóstico atempado, é fulcral no cancro do pulmão. Como já referido, o diagnóstico é feito por norma em fase avançada, mesmo em situação pré-pandemia, o que por via desta se agravou. O atraso no diagnóstico, já por si muitas vezes tardio, constituirá a maior preocupação decorrente da pandemia, no que se refere ao cancro do pulmão. Importa sensibilizar a população para a importância do fator tempo na evolução desta patologia.

HN‒ Existe um défice de informação da população portuguesa relativamente ao cancro do pulmão? Quais foram os resultados do inquérito efetuado pela Pulmonale à população portuguesa?

IM – Na realidade existe uma fraca literacia em saúde em Portugal, o que acontece naturalmente com o cancro do pulmão. Existe um deficit de informação sobre cancro do pulmão, de acordo com o inquérito realizado, mas a boa noticia é que se constata vontade de aceder a mais informação, nomeadamente sobre rastreio, sintomas e prevenção.

HN ‒ Segundo esse inquérito, a maioria dos portugueses está disponível para fazer o rastreio do cancro do pulmão?

IM – Mais de 70% dos inquiridos faria o rastreio se tivesse essa oportunidade, estando também elencado como um dos temas sobre os quais os portugueses gostariam de ter mais informação. No entanto, menos de um quarto dos inquiridos refere ter conhecimento sobre o rastreio do cancro do pulmão.

HN‒ Atualmente já não se deve encarar o diagnóstico como se fosse, à partida, uma “sentença de morte”?

IM – Nos últimos anos temos assistido a uma evolução muito positiva no tratamento do cancro do pulmão. Novas abordagens surgiram, observando-se mesmo uma mudança de paradigma. Não obstante, existe ainda por parte da população em geral um desconhecimento desta evolução, subsistindo ainda a ideia de um prognóstico muito desfavorável. A tal não é alheio o facto de o diagnóstico continuar a ser realizado em fase muito adiantada da doença, limitando as opções de tratamento. A Pulmonale tem procurado, nomeadamente através das campanhas anuais de awareness, sensibilizar a população para essa questão. Importa ainda assegurar o acesso aos melhores tratamentos em tempo útil de forma equitativa.

HN ‒ Como analisa a evolução registada no domínio do tratamento, incluindo as formas de cancro do pulmão relacionadas com as mutações?

IM – Tem-se vindo a caminhar no sentido da ”medicina personalizada”, o que se traduz no facto de cada paciente dever ser avaliado de forma individualizada. Para esta abordagem, entre outras questões, podemos contar, desde há alguns anos a esta parte, com a identificação de algumas alterações genéticas associadas ao cancro do pulmão que influenciam o desenvolvimento do carcinoma e para as quais existem tratamentos específicos com maior eficácia.

HN ‒ A Pulmonale faz parte do Conselho Nacional de Saúde. Compete ao CNS, entre outras funções, apreciar e emitir pareceres e recomendações sobre temas relacionados com a política de saúde. Nesta área em concreto, o que é preciso fazer, nomeadamente para recuperar dos efeitos nefastos decorrentes da pandemia?

A Pulmonale foi recentemente eleita para integrar o CNS, esperando poder dar um contributo em prol do doente. Relativamente aos atrasos decorrentes da pandemia, há que estabelecer um verdadeiro plano de recuperação para os doentes não-covid, desde logo recuperando o atraso verificado a nível dos rastreios para as patologias em que tal está instituído.

Infelizmente, como já referido, não temos um rastreio populacional para o cancro do pulmão, o que complica a situação. Haverá um papel decisivo a nível dos Cuidados de Saúde Primários, principal porta de entrada dos doentes, onde no caso do cancro do pulmão é efetuado por norma o encaminhamento destes doentes. Como tal, a capacidade de resposta por parte da rede de unidades dos Cuidados de Saúde Primários e a correta articulação com a rede hospitalar, são fulcrais na capacidade de recuperação da chamada “pandemia não-covid”. Resultados robustos só serão viáveis com a colaboração de todos os agentes, nos quais os doentes/a população em geral, sendo que não bastará injetar apenas mais recursos, mas implicará organização, capacitação e colaboração.

 

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