O parlamento debateu ontem dois projetos de lei do Bloco de Esquerda e do PAN (Pessoas-Animais-Natureza) sobre este tema que mereceu a concordância da maioria dos partidos, que criticaram um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, e consequente Ofício Circulado da Autoridade Tributária, que faz “uma reinterpretação da lei”.
Com o despacho, o princípio da avaliação mais favorável que sempre vigorou passa a aplicar-se apenas quando existirem alterações técnicas na tabela de incapacidades, deixando de aplicar-se às novas avaliações e reavaliações.
A abrir o debate, o deputado bloquista Moisés Ferreira explicou o que está em causa com um exemplo: “Um doente oncológico a quem tenha sido atribuído 60% de incapacidade e com isso teve, e bem, acesso a um atestado multiuso se numa reavaliação subsequente lhe for atribuído, por hipótese, 50% de incapacidade isso levaria à perda do atestado e apoios inerentes”.
A consequência desta situação é que milhares de pessoas com doenças incapacitantes estão a perder o acesso ao atestado multiusos, a apoios sociais e fiscais, e algumas até estão a ser contactados para devolver os apoios porque “o princípio da avaliação mais favorável que já existiu não está a ser cumprido e deixou de existir”.
“É uma forma de atuar intolerável com consequências muito graves”, lamentou, acrescentando: “se a intenção do Governo é insensibilidade, então a exigência da Assembleia da República deve ser impor a solidariedade social”.
“Se a intenção do Governo é cortar apoios sociais, então a exigência da Assembleia da República é manter esses apoios sociais”, disse.
Para o BE, “o direito à avaliação mais favorável é um imperativo legal” que “não pode ser revogado, muito menos por um despacho fruto de uma interpretação criativa que é destrutiva para muitas pessoas”.
Esta posição é partilhada por Diana Ferreira, do PCP, afirmando que a iniciativa legislativa do seu partido “é para corrigir uma injustiça e para garantir que as pessoas com deficiência e incapacidade não perdem direitos adquiridos”.
Para Diana Ferreira, a interpretação feita no despacho do Governo, “além de se revelar contrária à lei, revela também uma profunda insensibilidade para com a situação das pessoas com deficiência e incapacidade”, invertendo inclusive os objetivos que estiveram na sua base e trazendo “profundos prejuízos” a pessoas com incapacidade e deficiência.
O deputado social-democrata Rui Cristina defendeu, por seu turno, que as situações de revisão ou de reavaliação da incapacidade que resultem na atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente certificado deve manter-se o grau mais favorável ao doente desde que respeite à mesma patologia clínica.
“O ponto é que essa patologia não tenha sido ainda debelada e que o grau de incapacidade apurada posteriormente continue a acarretar encargos financeiros ou a implicar perdas ou outras dificuldades relevantes para as pessoas”, defendeu.
Para Miguel Arrobas, do CDS, os projetos de lei fazem “todo o sentido”, afirmando que o despacho do Governo “é altamente condenável e reprovável”, manifestando a disponibilidade CDS para contribuir para “um texto final que assegure um verdadeiro sentido de justiça social”.
Também Bibiana Cunha, do PAN, manifestou desagrado com esta situação, defendendo que sempre que haja uma nova reavaliação esta deve ter em conta a “história clínica” da pessoa e deve “acompanhar sempre aquilo que se mostre como mais favorável” a quem está a ser avaliado.
“As propostas aqui apresentadas e a sua preocupação com o impacto desta alteração na vida das pessoas deve ser tratada com maior sensibilidade, há um caminho que claramente tem de ser feito nesta Casa”, vincou.
Para José Luís Ferreira, do PEV, a interpretação que foi feita é “uma grosseira violação da lei” e reflexo de “uma absoluta insensibilidade” pelas pessoas com incapacidades.
Na sua intervenção, a deputada socialista Susana Amador deixou algumas perguntas que disse serem “um contributo útil do PS” para o debate, como: “Será adequado, ou não, que após uma reavaliação da situação clínica do indivíduo que determina a redução da sua incapacidade abaixo dos 70% se mantenha a qualificação de deficiência fiscalmente relevantes”.
“São questões complexas? São. São questões sensíveis e delicadas, são. Por isso exigem um debate aprofundado no qual o PS quer ser contribuinte líquido para o mesmo e não vale a pena termos aqui um discurso maniqueísta dos sensíveis e dos insensíveis”, salientou.
Por outro lado, avisou, os diplomas podem “criar uma outra entropia com um diploma que será aprovado em breve” que procederá a uma alteração ao Decreto-Lei 202/96, que procura desburocratizar os procedimentos para constituição de juntas médicas e de avaliação de incapacidades, e “fixa um entendimento diferente” das iniciativas em debate.
“Temos depois que corrigir e olhar para esta pluralidade de leis que não podem ser depois contraditórias”, vincou.
Em resposta, Moisés Ferreira lançou um desafio ao PS: “Se querem alterar, tem que ter a coragem de dizer que querem acabar com estes apoios, não o podem fazer à socapa com um despacho”.
LUSA/HN
0 Comments