Guilherme Macedo: “Queremos reforçar a importância das alterações climáticas no âmbito da saúde digestiva”

12/17/2021
Eleito presidente da Organização Mundial de Gastroenterologia, Guilherme Macedo considera que a sua nomeação representa “o reconhecimento da comunidade internacional do papel que os gastroenterologistas portugueses têm tido”, traduzindo-se, assim, numa “uma prova de confiança”. Esta é a primeira vez que um português representa esta especialidade com o propósito de melhorar a saúde digestiva da população. Em entrevista ao nosso jornal o dirigente admite que durante o seu mandato irá reforçar, dentro da comunidade científica, a ideia de como as alterações climáticas interferem na saúde digestiva.

HealthNews (HN)- Foi eleito presidente da Organização Mundial de Gastroenterologia. O que representa para si esta nomeação?

Guilherme Macedo (GM)- Representa o reconhecimento da comunidade internacional do papel que os gastroenterologistas portugueses têm tido. Portanto, a nomeação é uma prova de confiança.

A Organização Mundial de Gastroenterologia é uma macroestrutura preparada para estar próxima dos gastroenterologistas em todo o mundo, independentemente das condições económicas, sociais e educacionais dos países onde se encontram. Esta visão multicolor, diversa e integradora é única na OMG, sendo esse o papel que a organização espera da nossa liderança.

HN- Ao longo de dois anos irá representar mais de ciquenta mil especialistas de todo o mundo. Quais serão os seus principais objetivos como dirigente da OMG?

GM- Por um lado, será reforçar aquilo que tem sido o nosso papel na organização relativamente a promover ensino e treino para os gastroenterologistas. O conceito de “treino de trainers” tem tido um extraordinário impacto em todo o mundo.

Por outro lado, queremos reforçar a importância das alterações climáticas no âmbito da saúde digestiva. É um conceito muito novo. Queremos fazer compreender à nossa comunidade científica qual a sua pegada ecológica e, ao mesmo tempo, fazer compreender como é que as alterações climáticas interferem na saúde digestiva, através da migração das populações e da mudança dos ecossistemas. Estamos empenhados em trabalhar sob esse ponto de vista.

HN- Em várias oportunidades fez questão de sublinhar que existe uma forte ligação entre o nosso “eu interior” e “eu exterior”. De que forma o stresse e a ansiedade afetam a saúde gastrointestinal?

GM- Existe uma comunicação de grande proximidade entre todo o nosso aparelho digestivo e o nosso sistema nervoso. Temos toda a evidência científica e clínica de uma forte ligação entre os componentes emocionais e comportamentais com aquilo que se passa no tubo digestivo. Isso é perfeitamente nítido em muitas pessoas que em fases de maior perturbação emocional apresentam queixas da área digestiva. Sabemos que quem sofre de alguma desorganização do seu sistema digestivo tem muitas vezes um perfil emocional e psicológico que precisa de se adaptar a essas circunstâncias.

HN- E de que forma o teletrabalho e as restantes medidas impostas pela pandemia afetaram a saúde digestiva?

GM- A pandemia tendo afetado todo o nosso quotidiano individual e social teve forte impacto na forma como nos alimentamos, como nos relacionamos com os outros e como lidamos com o nosso trabalho. O impacto emocional e psicoafetivo que estamos tivemos e que vamos tendo durante a pandemia tem uma repercussão na área digestiva. A mudança de hábitos a que fomos obrigados a ter, a mudança de regimes alimentares, o esquema diferente de utilização da atividade física… Tudo isso impactou na saúde digestiva.

HN- Mais de 60% da população portuguesa tem problemas digestivos, mas a percentagem de pessoas que consulta um especialista ainda é muito reduzida. O que é necessário fazer para contrariar esta tendência?

GM- Há um explicação para essa diferença e essa explicação passa essencialmente pelo facto, de uma maneira geral, as pessoas compreenderem que os seus sintomas digestivos não correspondem, muitas vezes, a doença grave. No entanto, as doenças graves digestivas ocorrem sem grandes manifestações clínicas. Portanto, a deteção precoce deve ser assumida em parceria com gastroenterologistas.

O que é importante que as pessoas percebam não é que devem correr atrás dos sintomas digestivos, mas compreender o papel dos especialistas na saúde digestiva antes das coisas acontecerem. Quando houver essa mudança de paradigma na própria população iremos ter uma sociedade que vai ter uma maior e melhor saúde digestiva.

Entrevista de Vaishaly Camões

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