Jovens médicos e enfermeiros revolucionam centro de saúde

10 de Junho 2022

 Numa das zonas mais multiculturais de Lisboa, jovens médicos e enfermeiros revolucionaram o centro de saúde do Martim Moniz e acabaram com as filas de espera que antes começavam a formar-se às seis da manhã.

 Numa das zonas mais multiculturais de Lisboa, jovens médicos e enfermeiros revolucionaram o centro de saúde do Martim Moniz e acabaram com as filas de espera que antes começavam a formar-se às seis da manhã.

Situada na Praça Martim Moniz, a Unidade de Saúde Familiar (USF) da Baixa é moderna e luminosa, contrastando com as ruas envolventes. O caos e azáfama do bairro também ficam do lado de fora das portas automáticas da USF, onde parece não haver médicos. Mas eles estão lá, sem bata.

Os “médicos sem bata” são uma das diferenças do centro de saúde idealizado por um jovem especialista: Martino Gliozzi foi convidado em 2015 para coordenar um serviço de saúde “onde ninguém ou quase ninguém queria trabalhar”, disse à Lusa, lembrando que a zona tinha má fama, era conhecida pela prostituição, criminalidade e pobreza.

“O nosso centro tem 30% de pessoas estrangeiras. Dizem que é o centro com mais estrangeiros no país, tem 94 nacionalidades”, contou o coordenador, admitindo que esta foi uma das características que o atraiu e fez aceitar o desafio.

Para Martino Gliozzi, a nova equipa de médicos, enfermeiros e auxiliares teria de ser jovem e sentir-se igualmente entusiasmada com a população que iam servir. Entre os 16 mil utentes da USF da Baixa a maioria é idosa e há muitos imigrantes.

Além disso, teria de ser uma equipa multidisciplinar, porque “a medicina geral e familiar é o mundo. Vai desde uma dor na unha do pé à depressão”, salientou.

E Martino Gliozzi conseguiu. Cada profissional de saúde desta USF domina um determinado assunto. Há quem esteja mais à vontade com a “saúde mental, quem saiba mais de cirurgia, de pediatria ou de saúde da mulher”, explicou.

Os poucos anos de experiência da jovem equipa são compensados pela partilha constante de conhecimentos: “Todos nós aprendemos uns com os outros e com as experiências que vamos tendo e, por isso, também vamos tentando crescer enquanto equipa”, disse à Lusa a enfermeira Tânia Menezes.

Além das tradicionais reuniões de trabalho, os profissionais estão ligados através de um ‘chat’ interno, onde todos se sentem à vontade para colocar dúvidas. “Promove-se muito a discussão em grupo”, sublinhou Tânia Menezes.

Outra das novidades foi o alargamento do serviço de urgência. Martino Gliozzi explicou que a equipa tentou “criar vagas de consulta do dia com urgência, das 8:00 às 20:00, e passar a ideia de que todas as pessoas vão ter uma resposta”.

Os efeitos da medida fizeram-se notar em menos de dois meses. Antes, “às 08:00, havia já uma fila enorme à porta do centro saúde”, com pessoas que “tinham chegado às 06:00” para garantir uma consulta, contou.

Perante a promessa de todos serem atendidos, “independentemente das horas a que chegassem”, a fila desapareceu. A sala de espera “estava sempre cheia e confusa” e agora “está bastante tranquila”, disse.

Martino contou também que reduziram as burocracias, “papeladas que não tinham nada a ver com o trabalho dos médicos”, para terem mais tempo para receber os doentes.

Na USF, as portas dos consultórios estão sempre abertas para todos, só há uma exceção: “A indústria farmacêutica não entra aqui para os médicos manterem a autonomia e a prescrição”, contou o coordenador, explicando que não recebem delegados de informação médica.

O projeto de Martino Gliozzi começou há sete anos com quatro médicos, três enfermeiros e dois administrativos, todos na casa dos 30 anos. Hoje conta com dez médicos e nove enfermeiros.

Mas não foi nas instalações modernas do Martim Moniz que o recém-especialista convenceu a equipa a embarcar no seu projeto.

As entrevistas aconteceram num segundo andar de um prédio decrépito na baixa, onde a eletricidade “ia abaixo quando ligavam o micro-ondas da copa” e o elevador “funcionava dia sim, dia não”. Era ali o centro de saúde da baixa.

Nas velhas instalações, na Rua dos Fanqueiros, Martino Gliozzi, de 32 anos, convenceu a sua futura equipa, explicando “onde é que se iam meter”.

“Eu dizia vamos fazer isto, mas ainda não existia nada”, recordou.

“Isto” de que Martino fala poderia resumir-se ao sonho de criar uma prestação de cuidados de saúde equitativos que olhem para o doente como um todo.

“O nosso objetivo é prestar cuidados com a maior equidade possível e equitativos, isto é, pessoas que precisam mais, devem ter acesso a melhores recursos e mais apoio”, corroborou Cristiano Figueiredo, um dos médicos de família da USF, explicando que as “pessoas mais vulneráveis acabam por ter mais consultas”.

Cristiano recordou um estudo realizado pela Universidade de Coimbra que revelou que nesta zona de Lisboa se morre mais cedo, por causa das condições de vida da população.

A população migrante, composta por mais jovens, poderá estar a mudar o fado traçado no estudo. Mas os mais velhos continuam a ser uma presença assídua na USF, como é o caso de Justina Rosa, que todos tratam por “Rosinha de Braga”.

Aos 77 anos, a diabetes obriga-a a ir todos os dias à USF para tomar insulina. “Quando venho aqui é uma festa”, contou à Lusa, encontrando entre as funcionárias e equipa médica “muitos amigos”. A paciente do Dr. Filipe gosta de cantar o fado e faz da USF o seu palco.

LUSA/HN

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