Fórum critica medida do Governo e diz que solução passa por reter médicos de família

5 de Julho 2022

O Fórum de Medicina Geral e Familiar rejeitou hoje a contratação de clínicos sem especialidade para colmatar a falta de médicos de família, alegando que a solução passa por reter os cerca de 500 especialistas formados anualmente.

“Nós temos no país mais médicos de família do que aqueles que são necessários para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas o problema é que temos fora do SNS pelo menos 1.400 especialistas”, disse o bastonário da Ordem dos Médicos.

A posição do fórum foi manifestada em conferência de imprensa após uma reunião para analisar a possibilidade, prevista no Orçamento do Estado, de o SNS poder contratar, a título excecional, médicos habilitados ao exercício autónomo da profissão, “enquanto não houver condições para assegurar médico de família a todos os utentes”.

A reunião contou com representantes da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), do colégio da especialidade da Ordem dos Médicos (OM), da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e do Sindicato Independente dos Médicos (SIM).

Recentemente, a ministra da Saúde, Marta Temido, reconheceu que existem cerca de 1,3 milhões utentes sem médico de família em Portugal e avançou com a “hipótese de contar” com clínicos que, não podendo assumir funções de médico de família, possam responder a necessidades de resposta a doença aguda.

Após a reunião de hoje, o bastonário da OM, Miguel Guimarães, salientou que um médico sem especialidade “obviamente que não é especialista em medicina geral e familiar” (MGF), considerando ainda que essa é a “principal especialidade”, uma vez que é, através dos cuidados de saúde primários, que os utentes acedem ao SNS.

“O papel dos especialistas na orientação dos doentes, no seu diagnóstico e encaminhamento, caso necessitem de tratamento diferenciado, é insubstituível”, alertou Miguel Guimarães, classificando a medida como “extraordinariamente grave”.

O bastonário adiantou ainda que Portugal forma anualmente cerca de 500 especialistas em MGF e que, este ano, vai ser entregue ao Ministério da Saúde um mapa em que cerca de 550 das capacidades formativas serão para MGF.

Avançou também que vai ser solicitada aos advogados a análise da medida que prevê a contratação de médicos sem especialidade e que, se o Governo não a anular, “os próximos tempos serão muito difíceis” com a previsível saída de mais especialistas em MGF do SNS.

Para o presidente da APMGF, esta solução não responde aos “problemas que existem a nível dos cuidados de saúde primários e dos médicos de família” do SNS, que tem registado, nos últimos anos, uma “difícil capacidade” de reter especialistas nas suas unidades.

“Faltam médicos de família no SNS porque não tem havido essa capacidade de contratação e de os fixar”, disse Nuno Jacinto, para quem a solução passa por carreiras baseadas no mérito, revisão das tabelas salariais, maior autonomia das unidades para gerirem as equipas e horários e melhores condições de trabalho nos centros de saúde.

Para o secretário-geral do SIM, Roque da Cunha, o Governo tem “obrigação de investir no SNS e de dar aos cidadãos médicos de família”, alertando que, dos cerca de 500 especialistas formados todos os anos, “só metade é que fica no SNS”.

“A ideia de diminuir a qualidade dos serviços prestados não é solução. Nivelar por baixo as exigências cada vez maiores dos serviços de saúde não faz qualquer sentido”, lamentou o dirigente sindical, para quem esta matéria deve ser resolvida em sede de processo negocial com o ministério.

Pela FNAM, Teresa Palminha sublinhou que a MGF é uma especialidade reconhecida internacionalmente como tendo grande valor técnico e científico e que não é “contratando médicos sem especialidade para assumirem listas de utentes que se vai resolver o problema dos médicos de família”.

Na quinta-feira, a ministra da Saúde garantiu que atualmente mais portugueses têm médico de família do que em 2015 e que o número desses especialistas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) também aumentou nesse período.

Num debate parlamentar sobre o SNS, Marta Temido adiantou que 9,1 milhões de utentes têm médico de família atribuído, quando em 2015 eram nove milhões, e que o SNS tinha um total de 5.138 médicos de medicina geral e familiar, mas agora já apresenta mais 686.

Marta Temido reconheceu, porém, que existe “um problema” com os 1,3 milhões de utentes que não têm médico de família atribuído, enquanto em 2015 eram um milhão, mas salientou que o Governo está a “tratar dele”.

Um problema que a governante atribuiu, em parte, ao crescimento do número de inscritos no SNS, que totalizava em maio deste ano os 10,5 milhões de utentes, mais 455 mil do que em 2015.

LUSA/HN

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