A 08 de julho de 1992, o então ministro da Saúde Arlindo Carvalho assinalava, numa cerimónia simbólica, a introdução no mercado português dos primeiros genéricos, mas não foi um caminho fácil. Passados quase 10 anos, ainda não representavam 1% das vendas, que acabaram por ser impulsionadas pela ‘troika’.
“A entrada não foi com muito entusiasmo, nem muito auspiciosa”, disse à agência Lusa o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos (OF), recordando que o objetivo de replicar o que já existia em outros países europeus, o uso medicamentos com a mesma composição qualitativa e quantitativa mas mais baratos, “foi muito pouco adotado” nos primeiros anos.
“Criou-se por parte dos interesses instalados – e é normal – das companhias que estavam no mercado e dos próprios profissionais uma barreira com desconfianças, algumas delas eram sérias e verdadeiras”, afirmou Hélder Mota Filipe, lembrando também um “conjunto de outros mitos que se criaram para criar barreira à utilização de medicamentos genéricos”.
Os portugueses também manifestavam dúvidas quanto à sua eficácia, que se foram dissipando ao longo do tempo com várias medidas e campanhas do Infarmed sobre as vantagens da utilização dos genéricos para o utente e para o Estado.
Esta realidade é confirmada pela presidente da Associação Nacional de Farmácias, Ema Paulino, que na prática diária vai observando que “a grande maioria da população já está familiarizada com os medicamentos genéricos”, manifestando confiança em relação à sua qualidade.
“Aquelas perguntas que surgiam mais inicialmente e geravam maior desconfiança, que tinham a ver com a questão da qualidade dos medicamentos genéricos, porque o preço era mais baixo já se começaram a dissipar”, disse Ema Paulino, lembrando um estudo recente da Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (APOGEN) que indica que apenas 15% da população não tem informação ou não se sente totalmente esclarecida sobre esta matéria.
O bastonário dos farmacêuticos recordou que inicialmente, Portugal não tinha genéricos, mas cópias de medicamentos originais que não tinham que ter o que hoje é obrigatório: a bioequivalência.
Hoje, os genéricos aprovados pelas autoridades do medicamento europeias têm que demonstrar um conjunto de características que garantem cientificamente que são iguais aos de marca, vincou.
Para a presidente da APOGEN não há dúvidas sobre a confiança da população nos genéricos, mas defende que é preciso que mais utentes beneficiem das suas vantagens.
À Lusa, Maria do Carmo Neves recordou as dificuldades da sua implementação em Portugal. Na primeira década, não tiveram “qualquer expressão” em termos de vendas.
“Só uma discriminação positiva em 2002, por parte do Ministério da Saúde, permitiu que as quotas que em 1999 eram de 0% e em 2000 de 0,2% passassem para 2% em 2002”, sublinhou.
Desde essa data houve “um trabalho muito grande” da associação na afirmação da qualidade, segurança e eficácia dos genéricos, e do Infarmed com a realização de campanhas informativas.
“O medicamento genérico foi uma ferramenta importantíssima porque permitiu mais utentes serem tratados a custos comportáveis”, além de gerarem poupanças para o Estado, salientou Maria do Carmo Neves.
Hélder Mota Filipe recordou algumas das medidas que contribuíram inicialmente para o alargamento deste mercado, como o aumento de 10% na comparticipação do Estado no preço dos genéricos e a criação do sistema de preços de referência.
Havia, contudo, um “pacote de barreiras que já era um clássico” para evitar a entrada dos genéricos como as providências cautelares.
“Cada vez que entrava ou se preparava para entrar um genérico, o titular do [medicamento] original entrava com uma providência cautelar que demorava muitos anos a ser resolvida”, uma situação que só foi mitigada em 2011 com a criação dos tribunais arbitrais “muito mais céleres na decisão”, recordou.
A quota de genéricos foi aumentando, mas de uma maneira “menos acelerada” do que nos países, por exemplo, do norte da Europa, que já tinham taxas muito mais altas de utilização.
Uma situação que veio a alterar-se com a entrada da ‘troika’ em Portugal em 2011, que modificou as condições legais da prescrição e a dispensa dos genéricos, tendo em conta que o país precisava de dinheiro e os genéricos servem para poupar dinheiro”.
A partir dessa altura, os médicos passaram a prescrever obrigatoriamente pela substância ativa do medicamento, o que levou “a uma aceleração” na dispensa de genéricos que atingiu uma quota de cerca de 45% em ambulatório em 2013 e que ultrapassasse os 48% em 2018, valor que se mantém até hoje.
LUSA/HN
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