Cabo Verde abre inquérito a evacuação médica em que morreu rapaz de 14 anos

9 de Agosto 2022

O Governo cabo-verdiano ordenou a instauração de um “rigoroso inquérito” aos serviços médicos prestados e procedimentos de evacuação entre ilhas de um rapaz de 14 anos, que acabou por morrer, alegando “a gravidade das insinuações” envolvendo o caso.

O anúncio da instauração do inquérito foi feito pelo próprio primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, poucas horas depois de o Presidente da República, José Maria Neves ter defendido, na segunda-feira à tarde, a realização de um “inquérito rigoroso” ao caso e uma auditoria ao Sistema Nacional de Saúde, face às queixas.

“Atenta a necessidade de se garantir o cabal esclarecimento de todos os fatos relativos a esse acontecimento, face à gravidade das insinuações que têm sido feitas; considerando que o Governo não pode fazer acusações e nem encetar processos de eventual responsabilização, sem uma apreciação objetiva e rigorosa dos factos”, justifica a mensagem publicada, por Ulisses Correia e Silva.

O inquérito “deve ser iniciado de imediato” e o respetivo relatório “ser apresentado ao primeiro-ministro até ao dia 31 de agosto”, acrescenta Ulisses Correia e Silva.

“As autoridades competentes devem mandar fazer um inquérito rigoroso sobre as circunstâncias da evacuação e da morte do adolescente”, refere uma mensagem do chefe de Estado publicada anteriormente na sua conta oficial na rede social Facebook, na qual José Maria Neves refere ter falado na segunda-feira, ao telefone, com o pai do rapaz de 14 anos, que morreu já em São Filipe, na ilha do Fogo, em 01 de agosto.

“Faleceu após ter sido transportado, em condições muito precárias, da ilha Brava para o Hospital Regional Francisco de Assis”, disse o Presidente, na mesma mensagem, após várias críticas nos últimos dias, sobretudo nas redes sociais, à alegada falta de condições em que o rapaz foi transportado, num bote, para São Filipe, na vizinha ilha do Fogo.

Cabo Verde não dispõe de qualquer meio aéreo do Estado para garantir evacuações médicas, que normalmente são realizadas através das ligações aéreas e marítimas regulares, sendo que no caso da Brava, a ilha não dispõe de aeródromo.

No despacho do primeiro-ministro é acrescentado que deve ser dado “tratamento prioritário” aos procedimentos necessários para a realização do inquérito e a produção do relatório, o qual visa os serviços médico-hospitalares prestados ao doente no Centro de Saúde da Brava e no Hospital Regional São Francisco de Assis, no Fogo, bem como os procedimentos adotados na evacuação médica a partir da ilha Brava.

Num comunicado emitido em 04 de agosto, a direção do Hospital Regional Francisco de Assis, em São Filipe, refere que o adolescente, que ali se encontrava de férias, deu entrada no Centro de Saúde da Brava em 31 de julho e que estava há cinco dias “automedicado” por dor de garganta e febre.

“Tendo sido constatada a gravidade do quadro clínico pela equipa médica e realizados exames laboratoriais que revelaram presença de uma anemia grave, de imediato decidiu-se pela sua evacuação para o Hospital Regional São Francisco de Assis”, lê-se no comunicado, que também garante que os procedimentos para evacuação “aconteceram com a máxima urgência”.

“A Delegacia de Saúde da Brava tudo fez, com os meios que se encontravam disponíveis para a transferência ao hospital regional com a urgência que o caso requeria, tendo sido o paciente acompanhado por um médico e um enfermeiro”, acrescenta.

O adolescente deu entrada no hospital da ilha do Fogo por volta da meia-noite do dia 01 de agosto, falecendo minutos depois, tendo análises posteriores, feitas no hospital da Praia, concluído por “um quadro de leucemia aguda, confirmando assim a hipótese de diagnóstico inicial de leucemia como causa de morte”, segundo o mesmo comunicado.

De acordo com o Governo, a equipa que vai liderar este inquérito é constituída pela médica Iolanda Landim, do Hospital Agostinho Neto, na Praia, que coordena a mesma, e pela médica Hélida Djamila Fernandes, da mesma unidade hospitalar, integrando ainda Cilene Silva, gestora do Fundo de Segurança Marítima.

“Considerando que estão envolvidos serviços de saúde e de transportes, o que faz com que a superintendência não esteja adstrita a um único departamento governamental responsável”, justificou o primeiro-ministro.

Na mensagem divulgada na segunda-feira, José Maria Neves, que foi primeiro-ministro de Cabo Verde de 2001 a 2016 pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, atualmente na oposição), afirmou que “devem ser tomadas medidas urgentes para se criar um verdadeiro sistema de evacuação médica” no país: “De modo a serem prevenidas situações do género, desgaste do sistema de saúde e descontentamento pelo nível de atendimento e de serviços prestados nos hospitais e centros de saúde”.

Admite ainda que “já há condições técnicas e humanas no país para prestar serviços finais aos utentes de melhor qualidade”, mas que é necessária “mais sofisticação na organização dos trabalhos, muito mais eficiência na execução e mais efetividade nos resultados”.

“Deve-se auditar o atendimento em todo o sistema nacional de saúde. Tem havido muitas queixas, justas ou injustas, de pessoas que se consideram mal atendidas e/ou maltratadas nos serviços de saúde”, afirmou.

Para o Presidente cabo-verdiano, “é preciso tudo fazer para que as pessoas não percam confiança nas instituições do país”.

“Tenho consciência do quanto esforço tem sido feito pelo pessoal de saúde a todos os níveis e homenageio-os por isso. Todavia, os tempos são outros e as pessoas muito mais exigentes. Almejam muito mais e melhor”, concluiu José Maria Neves.

LUSA/HN

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