Daniel Martins, 38 anos, enverga um uniforme branco com o nome do Torreão bordado do lado do coração. É alto, elegante, e está livre de drogas desde março de 2013, ano em que rompeu com o vício.
Mas Daniel viveu na rua, dormiu nas escadas do Teatro Nacional de S. João e experimentou o lado mais solitário da vida após perder, aos 17 anos, a avó, a única âncora familiar.
A toxicodependência foi sua companheira, até que uma mão amiga da Segurança Social lhe foi estendida.
Daniel descobriu o Serviço de Assistência Organizações de Maria (SAOM), Instituição Particular de Solidariedade Social fundada em 1976, que detém o restaurante Torreão e que já recuperou centenas de vítimas de exclusão social.
Foi no SAOM que fez o curso de pastelaria e empregado de mesa e bar e é no Torreão que trabalha.
“Perdi a minha avó com 17 anos. Fiquei sem retaguarda familiar, fui viver para a rua (…). Acabei por ir pelos caminhos mais fáceis (…). Houve um passado de toxicodependência, houve uma parte deste passado que foi como sem-abrigo”.
Daniel orgulha-se dos passos dados até ser funcionário do restaurante erguido num torreão do século XIV.
“O curso de pastelaria e o de empregado de mesa e bar deram-me as ferramentas necessárias (…). Tive a inteligência de as aproveitar. Foi o que me deu a coragem e a resiliência para não querer voltar ao passado”.
Vice-presidente do SAOM, Luísa Neves define o Torreão como um “restaurante pedagógico”, que tem uma sala com capacidade para 32 lugares, mas que ganha mais 58 lugares abrindo o terraço, de onde se avista o rio Douro e as cidade do Porto e Gaia.
As refeições custam, em média, “30 euros” e o público-alvo é a “classe média” e “média alta”.
“É um restaurante que gosta de ter um toque sofisticado(…). Às vezes temos pequenas falhas, porque trabalhamos com a matéria-prima e a mão-de-obra que temos, mas a verdade é que temos muitos clientes”, explica Luís Neves.
A realização de casamentos e batizados faz com que a equipa do Torreão não fique confinada ao espaço do restaurante, estendo-se às salas privadas do SAOM, localizadas num palacete do século XVIII, de origem religiosa, que chegou a servir de apoio às tropas liberais no Cerco do Porto (1832-1833).
“Temos duas salas para 30 pessoas, uma sala para 40 e outra sala 72”, explicou.
Jorge Pina, 46 anos, ex-toxicodependente, também faz parte da equipa do Torreão e do SAOM. Tirou o curso de empregado de mesa e bar e ali se apaixonou pela atual mulher.
“Arrendámos um apartamento e estamos a levar a vida aos bocadinhos. Aqui encontrei uma família. A doutora Luísa ajudou muito. Ela fez mais por mim do que quase toda a minha família”, desabafa, orgulhoso por ter conseguido deixar uma vida resumida a encontrar dinheiro para a próxima dose de droga.
“Era vida de drogas, vida de noites. Antes de vir para aqui não tinha vida. Quando vim para aqui é que comecei a ganhar mais, a minha vida mudou”, lembra.
O Torreão recebeu quase seis mil clientes (5.983) no ano em que foi inaugurado e os números foram até cerca de 15 mil clientes até à pandemia, sendo desde o início “um sucesso”, considerou Luísa Neves, acrescentando que cerca de 60% dos funcionários chegam por meio do trabalho dos projetos sociais.
Os lucros do restaurante são injetados em apoios aos funcionários e aos projetos sociais do SAOM, seja emprestando dinheiro para os meses de caução no contrato de arrendamento, seja comprando uma máquina de lavar roupa, realizando pequenas obras nas casas, reabilitação do edifício do SAOM ou compra de viaturas para a frota do serviço do apoio domiciliário.
“O lucro não é o nosso fim, é o nosso meio para resolvermos os problemas da pobreza. (…) É preciso todo um suporte de autonomização, porque o que queremos é que as pessoas deixem de viver em quartos. Precisamos desse dinheiro”, justifica Luísa Neves.
Francisca Xavier, 24 anos, é a “princesa do SAOM”. Travou duras batalhas até ser empregada de mesa no Torreão. Foi um bebé prematuro que nasceu com uma infeção pulmonar e esteve em coma duas vezes. Tem epilepsia e esteve cinco anos internada com lesões a nível cognitivo, que lhe retiraram capacidades de concentração, cálculo e noção de tempo, mas hoje ganha o seu salário e ajuda a mãe.
“Tudo o que me ensinaram, eu levo para a vida pessoal, tanto no lado profissional, como na vida normal. Eu tenho várias pessoas aqui que levo para a vida”, confessa a jovem guerreira.
Após sete anos de Torreão, Luísa Neves quer abrir um lar de idosos no Porto, em 2024, com conceito de economia social.
A ideia surgiu nos tempos da covid-19, percebendo que o Porto precisava de lares que estimulassem a “autonomia e criatividade dos seus utentes”.
Foi a partir dessa experiência na pandemia, onde a instituição apoiou idosos, com e sem covid-19, que se desenhou o sonho criar um lar de idosos.
“Um lar que dê dinheiro. (…) É importante que também possa ter clientes que venham dum mercado livre. Espero que seja o lar onde eu um dia vou ficar (…), mas que tenha estímulos, que seja variado, com pessoal qualificado e pessoal nosso”.
NR/HN/Lusa
0 Comments