“As mulheres que sofrem abortos espontâneos precisam destas pílulas”, disse a ativista Marisol Ruiz, uma das promotoras da marcha deste sábado. “Estas leis não diferenciam. É por isso que precisamos que as opções estejam disponíveis”.
Entre cânticos e palavras de ordem, os manifestantes gritaram “O meu corpo, a minha escolha”, “Levantem-se e lutem” e “Nem a igreja nem o Estado, as mulheres decidem o seu destino”. A marcha seguiu de Pershing Square até à câmara da cidade de LA, com cordão policial e helicópteros a sobrevoar.
O protesto teve organização principal da Women’s March Foundation (Fundação Marcha das Mulheres) e acontece numa altura em que o destino da Mifepristone está num limbo. A administração de Joe Biden pediu ao Supremo Tribunal que revertesse a proibição temporariamente e a moção foi aceite, mas vigora apenas até à próxima quarta-feira.
Em causa está uma pílula abortiva que foi autorizada e considerada segura pelo regulador Food and Drug Administration (FDA) em 2000. A decisão do juiz Matthew Kacsmaryk, conhecido pela posição anti-aborto, aconteceu menos de um ano depois de o Supremo ter revogado o direito federal ao aborto, que fora assegurado com o caso Roe v. Wade em 1973.
“Isto começou em 2016, quando Trump foi eleito e nomeou todos estes juízes”, disse à Lusa Kathleen Schwartz, uma sexagenária que compareceu na manifestação empunhando um cartaz onde se lia “Não posso acreditar que ainda tenho de protestar para proteger os direitos das mulheres”.
“Não queria usar a expressão ‘fascistas cristãos’, mas é isso que eles são”, considerou Schwartz, que trabalhava numa instituição do setor da saúde antes de se reformar. “Eu acredito que o aborto é um cuidado de saúde”, frisou. “É uma decisão entre a pessoa e o seu médico”.
Schwartz completou o ensino secundário em 1973, o ano em que o aborto se tornou legal nos Estados Unidos da América, e mostrou-se incrédula que o progresso esteja a ser revertido.
“Ter de estar aqui a fazer isto 50 anos depois é simplesmente estúpido”, afirmou, dizendo que pretende continuar a ir para as ruas em protesto porque a alternativa é o desalento e o conformismo. “Mas o cenário é sombrio”, reconheceu.
Tal como ela, outras mulheres que viveram quase toda a vida com o aborto a ser legal marcharam até à câmara de Los Angeles. O protesto teve participantes diversos, incluindo homens e pessoas de várias etnias, mas a presença de mulheres mais velhas foi bastante visível.
Em frente ao edifício, num palco montado pela organização, a advogada Gloria Allred criticou o facto de “os úteros se terem tornado numa bola de futebol política” e a estratégia usada pelos grupos anti-aborto, que foram à procura de um juiz favorável.
“Ele quis aplicar a proibição a todos os estados, não apenas ao Texas”, sublinhou, lembrando que o movimento anti-aborto parece ter deitado fora o argumento de que a revogação do Roe v. Wade devolvia os direitos aos estados.
Allred também elogiou todos os que compareceram no protesto “em vez de irem para o Coachella”. O festival de música está a decorrer em Indio, a duas horas de Los Angeles, e foi considerado uma das razões pelas quais esta manifestação atraiu menos pessoas que o habitual.
Outra das vozes que surgiu no palco foi a da congressista democrata Judy Chu. “É ultrajante que não seja suficiente para estes políticos extremistas retirarem às mulheres um direito que tiveram por 50 anos”, declarou. “Agora vêm atrás de medicamentos considerados seguros por 23 anos”.
Chu disse que esta decisão pode abrir um precedente perigoso e impedir a FDA de fazer o seu trabalho com base na ciência e sem interferência política.
“Estes republicanos querem uma proibição nacional do aborto”, afirmou a congressista, que recentemente propôs a legislação “Women’s Health Protection Act” para proteger a liberdade reprodutiva. “Não vou parar de lutar até o direito ao aborto ser acessível a todas as pessoas neste país”.
Também a congressista Maxine Waters falou e urgiu os participantes a continuarem a lutar e não serem intimidados.
“Vamos organizar-nos. Encontramo-nos nas ruas e no tribunal”, prometeu Waters, endereçando o movimento anti-aborto. “Vocês vêm atrás de nós e agora vamos atrás de vocês”.
Outra voz que passou pelo palco foi a de Katy Yaroslavsky, membro do conselho da cidade de LA, que se disse “cansada” de ter de continuar a fazer estes protestos. “Cada vez fica pior”, lamentou, apesar das inúmeras manifestações dos últimos sete anos.
Kara James, enfermeira da Planned Parenthood, fez eco de um sentimento transversal na manifestação: “É difícil acreditar que estamos aqui outra vez”. James disse que a decisão do juiz pode ter consequências de saúde desastrosas e que esta luta não é apenas por direitos reprodutivos.
“É também por justiça económica e racial”, disse, considerando que a falta de acesso ao aborto afeta desproporcionalmente mulheres mais pobres e de minorias étnicas.
Este sábado também decorreram protestos pelos direitos reprodutivos em Nova Iorque e em Washington D.C., em frente ao Supremo.
Cerca de 14 estados impuseram proibições totais ou parciais ao aborto desde que o Supremo revogou Roe v. Wade em junho de 2022.
LUSA/HN
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