Saúde e democracia

09/15/2023
por Mário André Macedo Enfermeiro

A democracia faz bem à saúde. Esta afirmação, é sustentada não apenas pelo bem-estar geral e abstrato que a liberdade provoca, mas também pelo impacto que produz nos principais indicadores de saúde.

Existe uma robusta correlação entre governos democráticos e o estado de saúde das populações. Um cidadão que viva num país democrático vive, em média, mais três anos e meio. A mortalidade infantil diminuí à razão de 17 por mil nados vivos, o acesso a água potável a saneamento básico é onze pontos percentuais superior em democracias, e também são as democracias que apresentam melhores taxas de vacinação. Por fim, na dimensão do financiamento dos cuidados de saúde, as democracias gastam em média mais 160 dólares per capita que as ditaduras, que por sua vez, empurram mais gastos de saúde para as famílias. O 25 de Abril foi mesmo essencial, também na área da saúde!

O conhecimento destes dados deve deixar-nos preocupados, pois o planeta vive uma terceira vaga de autocratização. Ao contrário das anteriores, esta onda é insidiosa, corrói as instituições por dentro, e transforma regimes democráticos em autocracias com uma fachada legal aparente. Já não são juntas militares que tomam o poder com tanques na rua. São políticos populistas, representando uma visão anti iluminista, envoltos numa névoa e barragem de notícias falsas.

Uma em três pessoas do nosso planeta vive num país que viu a sua democracia regredir. Globalmente, sempre estivemos longe de alcançar um acesso universal aos cuidados de saúde. Mas com esta regressão democrática, ficamos ainda mais distantes. Este desiderato é tão importante que surge nos objetivos de desenvolvimento sustentável como meta para ser atingida já em 2030. Infelizmente, é extremamente improvável que venha a ser atingida.

A liberdade de imprensa e a ausência de censura, também permitem um melhor conhecimento do impacto das intervenções e políticas publicas de saúde. Assim, enquanto más políticas públicas de saúde são identificadas e debatidas no espaço público numa democracia, este debate simplesmente não existe, ou no melhor cenário, é bastante condicionado, numa autocracia. Por esta razão, um cidadão que viva numa ditadura terá sempre não só um pior acesso à saúde, como cuidados de saúde de pior qualidade.

Portugal, ao contrário do que pensávamos até recentemente, não está livre de cair neste grupo de países. O que coloca em risco tudo o que alcançámos na saúde. Defender a democracia, defender a liberdade de expressão e participação, é igualmente defender a saúde de todas e todos nós. Hoje é o dia de uma das maiores conquistas da nossa democracia. Vamos defender ambas. O serviço público de saúde, de cariz universal e geral, e o regime político que criou as condições para que finalmente a saúde estivesse na agenda: a nossa democracia.

 

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Mensagem de Manuel Pizarro. Médico e Ministro da Saúde

O SNS é uma criação da democracia portuguesa, tendo tido consagração constitucional em 1976 e lei fundadora aprovada em 1979.
Durante estas quatro décadas e meia mudou de forma radical o panorama sanitário do nosso País. O velho Portugal do fascismo, em que as pessoas estavam abandonadas à sua sorte, e os indicadores de saúde espelhavam um verdadeiro atraso civilizacional, foi transformado num país moderno, com resultados em saúde que ombreiam com os melhores do Mundo.

Democracia e Saúde: avanços e recuos

por Eduardo Paz Ferreira
Advogado; Presidente do Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal (IDEFF) e do Instituto Europeu (IE) da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Saúde e Democracia

por Delfim Rodrigues
Coordenador do Programa Nacional de Implementação das Unidades de Hospitalização Domiciliária nos hospitais do SNS

SNS – Pilar da Democracia

por Arlindo Carvalho
Empresário; Ministro da Saúde nos XI e no XII Governos Constitucionais

Prof. António José Barros Veloso: “CSP não cumprem a sua missão de forma eficiente”

“Os cidadãos têm de ter o seu médico assistente, no centro de saúde, para os atender quando adoecem”, defende o Prof. Doutor António José Barros Veloso, diretor do Serviço de Medicina do Hospital dos Capuchos (1986 a 2000), presidente da Sociedade Médica dos Hospitais Civis (1987- 1989), da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (1992-1994) e da Comissão de Ética para a Investigação Clínica (2005-2011). Além da dificuldade que os cidadãos têm para aceder aos cuidados de saúde primários, «os médicos de família foram sobretudo preparados para fazer prevenção da doença e promoção da saúde e não para tratar doenças agudas. E não me parece que a reforma que o Ministério da Saúde está a fazer vá corrigir isto».

ORGANIZAÇÃO

Fundação para a Saúde
Healthnews - Jornalismo de Saúde
Share This
Verified by MonsterInsights