Joana Bordalo e Sá: Burnout dos médicos internos “também tem a ver com a forma como são tratados pelas instituições”

18 de Dezembro 2023

Um em cada quatro médicos internos apresenta sintomas graves de burnout, conclui o primeiro estudo alargado realizado em Portugal. Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), já reagiu: “Tem a ver com o excesso de trabalho, mas também tem a ver com a forma como são tratados pelas instituições”, disse ao HealthNews.

“Segundo o primeiro estudo nacional sobre burnout em médicos internos, mais de metade (55,3%) dos jovens médicos está em risco de desenvolvimento de burnout e 1 em cada 4 (24,7%) já apresenta sintomas graves da síndrome. Neste estudo promovido pelo Conselho Nacional do Médico Interno (CNMI), 64,7% dos médicos inquiridos encontra-se num nível de exaustão emocional grave, 45,8% num nível elevado de despersonalização/desumanização e 48,1% apresenta elevada diminuição da realização profissional”, sintetiza o comunicado de imprensa da Ordem.

“Em comparação com o último estudo realizado em Portugal (2016), os médicos internos têm uma prevalência de burnout grave mais de três vezes superior aos restantes médicos portugueses (24,7% vs 7%). Quando comparado com a média de estudos realizados noutros países (22.9%), os níveis de burnout encontrados são também superiores”, revela o estudo.

Esta segunda-feira, em declarações ao HealthNews, Joana Bordalo e Sá comentou: “Tem a ver com o excesso de trabalho, mas também tem a ver com a forma como [os médicos internos] são tratados pelas instituições. E nós temos muitas ações, temos muitos processos, muitas coisas a decorrer nos vários hospitais”.

“Temos muito trabalho a fazer nos locais de trabalho, onde temos conselhos de administração que estão a tentar praticar ilegalidades contra os médicos, contra os médicos internos”, denunciou a FNAM.

O comunicado de imprensa da ordem explica que a percentagem de médicos internos “totalmente envolvidos no seu trabalho” é de 5,3%, “cerca de quatro vezes inferior à de outros países”. “Apenas 16,5% considera a relação entre a vida pessoal e profissional equilibrada ou muito equilibrada”, sendo que 84,8% dos inquiridos realiza horas extraordinárias, “com uma média de trabalho semanal de 52,8 horas, o equivalente a cerca de dois meses e meio de trabalho extra por ano. Verifica-se ainda que mais de metade dos inquiridos (55,1%) realiza mensalmente turnos com duração superior a 12 horas”.

A percentagem de médicos com sintomas de burnout é mais elevada na região Norte (28,6%), seguindo-se Lisboa e Vale do Tejo (23,7%) e Centro (22,1%). As especialidades com número de respostas mais elevado são Anestesiologia (um em cada 3 sofre de burnout, ou seja, 32,4%, e metade está em risco), Cirurgia Geral (29,7%), Medicina Interna (28,9%), Medicina Intensiva (26,2%) e Ginecologia/Obstetrícia (22,2%).

Joana Bordalo e Sá referiu ainda que a FNAM está “a acabar de preparar, que vai seguir até ao fim do ano, o tal apelo à fiscalização abstrata do novo regime de dedicação plena que está a ser preparado para a questão do constitucional e, também, na Comissão Europeia, que já enviámos, porque, de facto, este novo regime de dedicação plena fere não só a Constituição Portuguesa, como é contra diretivas europeias do trabalho. Portanto, a FNAM não está parada até termos um novo Governo. Depois vamos ver o que é que acontece. Esperemos que o próximo Governo tenho bom senso e que tenha a competência que este ministério do Dr. Manuel Pizarro não teve para tentar resolver o problema dos médicos.”

No passado mês de novembro, a FNAM expôs em Bruxelas as suas preocupações e soluções. Joana Bordalo e Sá relatou hoje ao HealthNews: “Entregámos o nosso manifesto internacional na defesa de uma saúde pública que queremos, lá está, pública, universal, acessível, de qualidade, onde Portugal, pelo menos até há bem pouco tempo, sempre foi um exemplo. E também fizemos um resumo sobre a situação do Serviço Nacional de Saúde e a situação dos médicos em Portugal. Entregámos também um documento com as nossas soluções. E uma coisa ficou clara, é que, de facto, os médicos em Portugal são mesmo dos mais mal pagos da Europa, estão a trabalhar em condições cada vez piores, e isto é uma realidade percebida quer pelos eurodeputados com quem estivermos quer pela Comissão de Saúde. E, no fundo, eles comprovam aquilo que nós estávamos a dizer, que o que nós temos como alternativa e a partir de janeiro é um novo regime de dedicação que vai contra a diretiva europeia do trabalho, com 250 horas extra, com fim do descanso compensatório depois de o médico fazer uma noite, nove horas de trabalho por dia. Isto é que é totalmente inaceitável. Na Europa, há mais de 100 anos que a jornada de trabalho é de oito horas. Portanto, pareceram perfeitamente solidários com a nossa exposição.”

O HealthNews também questionou a médica Joana Bordalo e Sá sobre o apelo de um grupo de cidadãos para que os profissionais de saúde suspendam as formas de luta. Sem greves a decorrer, a presidente da FNAM falou sobre a recusa às horas extraordinárias nos cuidados hospitalares: “Estão a exercer um direito que é não fazer mais para além do que a lei prevê. O que estes cidadãos estão a pedir, no fundo, relativamente aos médicos hospitalares, é que incumpram com a lei. São cidadãos a pedirem a outros cidadãos, neste caso médicos, que não cumpram com a lei e que continuem a trabalhar para além dos seus limites.” “Estamos numa democracia e (…) qualquer cidadão é livre de se manifestar e fazer apelos. Isso é inquestionável”, ressalvou a presidente da FNAM.

Porém, a Federação Nacional dos Médicos não recua no apoio a estes colegas: “Continuamos a apoiar todos os médicos que continuem com a escusa colocada. Do ponto de vista jurídico, do ponto de vista sindical, sabem que podem contar com a FNAM para os apoiar. No entretanto, obviamente, estamos à espera de saber quem é que vai ser o nosso próximo interlocutor”. “Basicamente, quem é que vai ser o próximo Governo e quem é que vai ser o próximo ministro ou ministra da Saúde, para percebermos se efetivamente eles vão ter o senso de perceber que o Serviço Nacional de Saúde continua num estado lastimável, que não consegue ainda fixar médicos, porque não foi conseguido nenhum bom acordo, e que é preciso resolver a situação dos médicos, que é preciso resolver a situação do Serviço Nacional de Saúde. Esperemos que o próximo Governo, seja ele qual for, tome isso em atenção e que chame rapidamente os sindicatos médicos para uma nova mesa negocial. Até lá, a FNAM não está parada, obviamente.”

HN/RA

 

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