CDU/Jorge Pires: “Não podemos ter ao mais alto nível de direção pessoas escolhidas pelo cartão partidário”

03/04/2024
O Partido Comunista Português acredita que “existe força suficiente para defender o SNS”, “apesar da ofensiva a que tem sido sujeito”. “A direita, em muitas situações com o apoio do PS, tem um projeto político que passa pela criação de um sistema de saúde a duas velocidades: um serviço público desvalorizado a funcionar em mínimos para os mais pobres e outro recorrendo a privados e aos seguros de saúde”, disse ao HealthNews Jorge Pires, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP. Sistemas Locais de Saúde, gestão democrática das unidades públicas de saúde, contratação de mais profissionais e libertação das imposições da União Europeia são algumas das lutas aprofundadas nesta entrevista.

HealthNews (HN) – Afirmam que as “alterações legislativas em curso vão impelir mais profissionais a saírem do SNS”. Quais são as alternativas do PCP para fixar profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde?

Jorge Pires (JP) – Há quatro medidas imediatas que são decisivas para fixar os profissionais no SNS: valorização das carreiras; valorização salarial; dedicação exclusiva com a majoração de 50% na sua remuneração base e o acréscimo de 25% na contagem do tempo de serviço. A estas junta-se a melhoria das condições de trabalho.

HN – O impacto orçamental da valorização dos trabalhadores da saúde é suportável?

JP – Sim. A fixação de mais trabalhadores no SNS e a contratação dos que faltam, nos diversos serviços, vai permitir internalizar uma parte da atividade que hoje é transferida para os grupos privados e, assim, poupar muito dinheiro para investir no SNS.

HN – Como e quando é que tencionam reforçar os meios financeiros e técnicos do SNS? Mais concretamente, que reforço se impõe já na próxima legislatura? 

JP – Terá de ser definido um programa plurianual de investimento de acordo com o levantamento das necessidades. As questões relacionadas com o investimento nos meios financeiros e técnicos do SNS não se resolvem de um dia para o outro, nomeadamente a aquisição de equipamentos.

Não é com o OE/24 aprovado recentemente que se resolvem problemas de fundo no plano financeiro e técnico, mas é possível, com a dotação para a saúde nele incluído e com outras opções políticas, avançar já na próxima sessão legislativa com algumas medidas.

O PCP tem apresentado propostas concretas de investimento no SNS ao longo dos anos –  ainda em 2019 apresentou um programa de aquisição de equipamentos pesados, que foi recusado pelo Governo do PS e que previa, ao longo da legislatura, melhorar e muito a prestação de cuidados.

HN – Dedicam parte do programa eleitoral à organização e direção das unidades de saúde. Comecemos pela última. Quais são as maiores fragilidades da gestão em Portugal e que medidas defendem nesse âmbito?

JP – Como temos afirmado, é fundamental garantir a gestão democrática das unidades públicas de saúde, através de procedimento concursal para o presidente do conselho de administração dos hospitais e do diretor executivo dos ACES, e por eleição de entre os profissionais de saúde de cada carreira para os demais membros de administração e de gestão clínica. Não podemos ter, como acontece em muitas situações, ao mais alto nível de direção pessoas escolhidas pelo cartão partidário e alguns que estão no serviço público como se estivessem no setor privado.

A criação de centros hospitalares EPE, cobrindo hoje todo o país, “na lógica de conseguir sinergias na gestão de recursos humanos e materiais, aproveitando de forma mais racional as capacidades disponíveis”, permitiu que os gestores reduzissem e encerrassem serviços, o que levou ao encerramento de centenas de camas. Uma substituição de regime que apenas serviu para retirar direitos aos trabalhadores da saúde e para servir uma política que visa criar o mercado da saúde, no qual os hospitais EPE são parceria de negócio.

Também a existência de cuidados de saúde primários a duas velocidades e a constituição de ACES, muitos deles de grande dimensão, aumentam claramente as dificuldades de gestão e por isso devem ser revogadas.

O PCP defende a criação dos Sistemas Locais de Saúde, a generalização das USF, entre outras medidas.

HN – Quais são as principais medidas para os cuidados de saúde primários e, depois, para os cuidados hospitalares, relembrando os mais de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família e o caos nas urgências hospitalares?

JP – Tal como é referido no programa eleitoral, a contratação dos médicos de Medicina Geral e Familiar, bem como a contratação de mais enfermeiros e outros técnicos de saúde, para os CSP, é a principal medida a ser tomada. Admitimos a contratação de médicos de outros países para suprir a falta de médicos portugueses, numa solução temporária e nas condições iguais à dos médicos portugueses.

Na relação entre os CSP e os cuidados hospitalares, a pirâmide está invertida, ou seja, quando 60/70% dos episódios de saúde deviam ser resolvidos nos CSP e os restantes nos hospitais, hoje acontece exatamente o contrário: primeira causa do excessivo número de urgências desnecessárias.

HN – Como é que vão reduzir as listas de espera para consultas e cirurgias, uma das maiores preocupações dos portugueses?

JP – Com a contratação de mais profissionais; abrir a formação da especialidade a mais jovens médicos e dotando os hospitais do SNS dos equipamentos necessários.

HN – Os cuidados continuados e paliativos poderão finalmente chegar a todos os portugueses que necessitam? O que é que propõem nesta área?

JP – Sim, poderão chegar, desde que seja implementada uma solução que passe por alargar a resposta pública em cuidados continuados e paliativos, garantindo a resposta às necessidades em todo o território nacional.

HN – O que é que farão pelos cuidadores informais?

JP – Para o PCP as medidas necessárias a um efetivo reconhecimento do papel do cuidador informal devem assentar em políticas que promovam uma estratégia de desenvolvimento e consolidação da resposta dos serviços públicos, designadamente dos cuidados de saúde primários, hospitalares e continuados integrados e a concretização de uma rede pública de qualidade de apoio às famílias, às crianças e idosos e às pessoas com deficiência.

HN – Qual o papel, se é que existe, que atribuem ao setor privado na prestação de cuidados de saúde à população? E do setor social?

JP – O papel do setor privado e do setor social, na prestação de cuidados de saúde, é supletivo do SNS. O Estado só deve recorrer ao setor privado nas situações em que não consiga garantir as necessidades de saúde dos portugueses. Fazê-lo de forma temporária, até que o serviço público concretize as medidas que permitam cobrir essas necessidades.

HN – A “libertação do País da submissão ao Euro e das imposições e constrangimentos da EU” é uma das vossas lutas. Qual seria o impacto desse afastamento na saúde?

JP – Os impactos serão positivos, pois vão permitir ao Estado português fazer os investimentos necessários, sem que esteja sujeito aos constrangimentos colocados pela UE. Estes constrangimentos estiveram muito presentes durante a pandemia e o processo de aquisição das vacinas.

HN – Será a prevenção uma das vossas prioridades? Portugal continuará a ter, como lamentam vários especialistas, um “serviço nacional de doença”?

JP – A denominação não é justa. O que existe, de facto, é o negócio da doença como consequência da desvalorização a que tem sido sujeito o SNS, por sucessivos governos, cujo objetivo é transferir para o setor privado uma parte significativa da prestação de cuidados de saúde. Privados que não investem um cêntimo na prevenção e na promoção da saúde, apenas no tratamento, transformando a sua atividade num negócio. Durante a pandemia, alguns fecharam instalações, ou colocaram como questão fundamental saber quanto o Estado pagava, para depois decidirem aceitar ou não pessoas infetadas com o vírus.

A única garantia de chegar a todos os que necessitam de prestação de cuidados de saúde é reforçar o SNS público, universal, geral e gratuito.

HN – Corremos realmente o risco de perder o Serviço Nacional de Saúde? Se sim, é possível inverter o cenário na próxima legislatura?

JP – Em Portugal, existe força suficiente para defender o SNS, apesar da ofensiva a que tem sido sujeito. A direita, em muitas situações com o apoio do PS, tem um projeto político que passa pela criação de um sistema de saúde a duas velocidades: um serviço público desvalorizado a funcionar em mínimos para os mais pobres e outro recorrendo a privados e aos seguros de saúde.

Entrevista de Rita Antunes

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