A investigação, coordenada por Roberto Roncon de Albuquerque, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), vem confirmar que “esta técnica de circulação extracorporal desempenha já um papel muito relevante na doação de órgãos de dador em paragem circulatória controlada (Categoria III de Maastricht), nomeadamente de rim, de pulmão, de fígado e de coração, a nível mundial”.
“Estes resultados vêm chamar a atenção para uma tecnologia que existe em muitos hospitais para salvar vidas, mas que ainda não é muito utilizada, entre nós, na vertente da doação de órgãos e da transplantação. Em doentes que não conseguimos salvar, a ECMO pode ser utilizada para preservar os órgãos do dador que, de outra forma, não teriam condições para a transplantação”, revela o investigador.
Na prática, esta técnica, muito falada durante a pandemia de covid-19, pode ajudar a aumentar o número de órgãos e de transplantes.
Roberto Roncon de Albuquerque disse que em países como Espanha, Reino Unido e EUA, cerca de metade da transplantação renal já é feita com recurso a ECMO nos dadores falecidos em cuidados intensivos por paragem circulatória controlada.
Em Portugal, a utilização do ECMO está limitada aos dadores em paragem circulatória não-controlada (Categoria II de Maastricht), em que a paragem cardiorrespiratória surge súbita e inesperadamente no pré-hospitalar ou no serviço de urgência, sem recuperação após manobras de ressuscitação prolongadas.
É o caso de alguns doentes com enfarte agudo do miocárdio socorridos pelo INEM que, apesar de todo o “esforço terapêutico”, acabam por evoluir em paragem cardiorrespiratória refratária e morrer.
“Nestes casos, quando o óbito é declarado, podemos usar a ECMO para preservar os órgãos abdominais para transplante. No entanto, não pode decorrer mais de uma hora e meia de colapso até à entrada no hospital, nem mais de duas horas de colapso até ao início de ECMO”, salvaguarda.
Na Unidade Local de Saúde (ULS) de São João, no Porto, onde é médico intensivista, a doação em paragem circulatória não-controlada já representa “cerca de um terço da transplantação renal”.
“A transplantação em Portugal é das melhores do mundo. No entanto, continuamos a ter um número insuficiente de órgãos para as necessidades. Temos muitos doentes em espera. No caso do rim, os doentes têm alternativas como a hemodiálise, mas quer a qualidade quer a esperança média de vida sem o transplante renal é pior. No caso do pulmão, do coração e do fígado, há doentes que acabam por falecer à espera de um órgão para transplante”, considera Roberto Roncon de Albuquerque.
O coordenador deste estudo salienta ainda que, em Portugal, “a expansão da possibilidade de doação à paragem circulatória controlada poderia representar um importante passo para responder a esta necessidade”, mas, para tal, “será necessária uma alteração legislativa, que deve ser precedida de um amplo consenso na sociedade civil, sociedades científicas e ordens profissionais da área da saúde”.
De acordo com o Instituto Português do Sangue e da Transplantação, Portugal ocupava, em 2023, o 3.º lugar a nível mundial em termos de transplantes, e o 2.º lugar na Europa.
Em 2023, foram colhidos 1.066 órgãos e foram transplantados 963.
Qualquer pessoa é um potencial dador, desde que não expresse oposição à dádiva no Registo Nacional de Não Dadores (RENNDA).
Além de Roberto Roncon de Albuquerque, o trabalho de revisão sistemática da literatura científica foi realizado por Beatriz Ferreira Alves, no âmbito do Mestrado Integrado em Medicina na FMUP, bem como por Joana Reis Pardal, Nelson Cuboia e Luís Azevedo (FMUP e RISE-Health).
O Dia Nacional da Doação de Órgãos e da Transplantação assinala-se no sábado.
LUSA/HN
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