Luís Filipe Barreira, Bastonário da Ordem dos Enfermeiros

OS HERÓIS INVISÍVEIS

07/30/2024

Nos últimos dias, as notícias que nos têm chegado acerca do rumo das negociações entre o Governo e os enfermeiros são preocupantes.

Sete sindicatos de enfermagem iniciaram negociações com o Governo. Dois deles, decidiram marcar greves e o Governo recusa-se a negociar nesse contexto. Os restantes cinco estão unidos na plataforma “Compromisso pela Enfermagem” e continuam a negociar a grelha salarial e um acordo coletivo.

Porém, a proposta inicial de grelha salarial que receberam do Governo ficou muito aquém das expetativas dos enfermeiros, havendo mesmo quem a considere um insulto.

A verdade é que a maior força de trabalho da Saúde encontra-se num estado de desilusão e descontentamento como não me recordo de alguma vez ter testemunhado. E isso deve ser encarado seriamente.

Estamos a criar terreno fértil para o surgimento de movimentos inorgânicos de enfermeiros, e que se equacionem protestos como o abandono de serviço, como aconteceu na Finlândia há uns anos e que, em Portugal, também se ensaiou na histórica greve de 1976.

Há mais de uma década que os enfermeiros do setor público não veem qualquer atualização na sua tabela salarial, que acaba por ser uma referência para todos os outros setores — privado, social e militar — enquanto outras profissões na área da saúde têm sido valorizadas, sob diversas formas. Esta estagnação salarial é uma injustiça à dedicação e ao sacrifício dos enfermeiros e compromete a dignidade do seu exercício profissional.

Quanto à progressão na carreira, é necessário aproximadamente um século para atingir o topo. Esta realidade não só desmotiva os profissionais, como também tem repercussões diretas na qualidade dos cuidados prestados.

A falta de reconhecimento e a ausência de valorização são inaceitáveis numa profissão que exige tanto em termos de responsabilidade e compromisso. Acresce que também é inconcebível a precariedade dos contratos de trabalho de muitos enfermeiros que o sistema precisa em permanência. O setor público, que deveria ser um exemplo na luta contra a precariedade laboral, continua a perpetuar esta gestão irracional de recursos humanos, deixando muitos enfermeiros numa situação de instabilidade e insegurança.

A Ordem dos Enfermeiros tem demonstrado apoio aos impulsos reformistas do Governo, mas é importante compreender que, por um lado, as mudanças reais não acontecem por decreto e, por outro, sem uma valorização dos enfermeiros, quaisquer reformas serão inviáveis.

Num momento em que a Saúde enfrenta desafios sem precedentes, é fundamental que se reconheça o papel vital dos enfermeiros.

É certo que o descontentamento dos enfermeiros é um reflexo de falhas sistémicas que têm sido ignoradas ao longo de muitos anos. Mas, agora, o tempo esgotou-se.

O país não pode dar tudo a todos. Mas é essencial que se definam prioridades. E, na Saúde, os enfermeiros, pela indiferença a que têm sido, sucessivamente, condenados, devem ser considerados prioritários.

Faço um apelo ao bom senso. Os enfermeiros não podem, nem vão, continuar a ser os profissionais de saúde, altamente diferenciados, que o país aplaude e apelida de heróis, que trabalham incansavelmente sem o devido reconhecimento e valorização, mas que se mantêm invisíveis aos olhos do Governo.

12 Comments

  1. António Martins

    Para além da urgente alteração da grelha salarial que deve ser de imediato resolvida, urge tratar outros itens tais como:
    -Profissão de risco: subsídio de risco;
    -Redução da idade para a Reforma- 60 anos de idade;
    -Essencial debater esses pontos,para além de outros.

  2. Luís Filipe Patrão Cruz Reis

    E só conversar. Quando recorremos ĥá Ordem ficamos completamente sozinhos .Afinal ĥá enfermeiros sozinhos. E mais não digo.

  3. Ana Santos

    Sem dúvida. Pelos vistos só os enfermeiros sabem o que é andar a trabalhar após os 62 anos de idade . Quando abordamos um familiar que nos diz que já não tem saúde para cuidar do seu pai ou da sua mãe, porque já tem mais de 60 anos, até nos dá ânsias e é apenas de um … Imaginem o que é ter que cuidar de muitos, como é o nosso caso. Será que quem tem puder de decisão não compreende isso?

  4. Helena Rego

    Quem negociou a grelha salarial dos enfermeiros? Não foram os sindicatos? Estavam com a cabeça onde que não deram conta do número de anos que era preciso trabalhar para se atingir o topo!

  5. Manuel Silva

    Sou Enfermeiro. Vi e vejo injustiças por parte dos diferentes governos/governantes á muitos, muitos anos. Nunca vi coragem/ determinação para resolver a situação escandalosa que vivem os Enfermeiros deste país.
    Acordemos para a injustiça de que somos alvo.
    Sempre demos e damos tudo o que temos ( conhecimento, competência, profissionalismo, respeito, empenho dedicação…..). Cuidamos de todos, sofremos por todos, deixamos as nossas famílias para ir cuidar dos outros, quando muitas vezes também precisariam da nossa presença.
    Lidamos com a morte, sofrimento, angústia, desespero. Apoiamos/ Tratamos, confortamos, aliviamos a dor e sofrimento dos outros, muitas vezes esquecendo- nos de nós próprios. Cuidamos desde o nascer ao morrerer.
    Trabalhamos manhãs, tardes, noites, sábados, domingos, feriados, natais, anos novos, pascoas, faltamos a festas de amigos e familiares porque temos um dever a cumprir.
    Tudo isto por uns miseráveis trocos mensais, em troca de muito trabalho e carga física, psíquica e emocional. A maior parte de nós recebe de ordenado líquido cerca de 1000 euros, com muitas noites e fins de semana. Mesmo os enfermeiros com cargos de chefia não conseguem ganhar mais de 1500 a 1700 euros mesmo que a atingir a idade da reforma, com muitos e longos anos de carreira e sacrifícios. A nova geração para atingir o topo da carreira atual demoraria um século !!!! Será que isto não incomoda ninguém?
    Somos a classe da função pública mais mal paga tendo em conta o nível de competência e responsabilidade.
    Outros sempre conseguem o que querem (exemplo recente de médicos e professores), como por exemplo o caso das 40 horas para o qual os médicos na altura tiveram um aumento de 800 euros mensais enquanto os enfermeiros durante 3 anos fizeram 40 horas sem qualquer aumento, mesmo os que tínhamos contrato de 35 horas. E agora os médicos estão novamente em luta por querem passar novamente para as 35 horas mas sem que relembrem o facto de terem tido esse aumento. Enfim há sempre dinheiro (muito)para alguns. Estivemos 14 anos sem progredir na carreira. Aos professores contaram todo o tempo perdido. E aos Enfermeiros???Que país é este que tanto ignora o s Enfermeiros. Será por sermos demasiado brandos? E as nossas formas de luta não serem suficientemente fortes/visíveis para repor a legitimidade do que pretendemos – tabela salarial justa e adaptada ao nível de complexidade/exigência da profissão que exercemos.
    Alertemos e mobilizemos todos os Enfermeiros de que está na hora de radicalizar a nossa luta para acabar com as injustiças de muitos anos. Acabar com ordenados miseráveis apesar da complexidade, grau de exigência e compromisso que temos com a comunidade.
    Está na hora de mostrar de uma vez por todas que estamos fartos desta discriminação e lutar e apelar a todos que se radicalize posições como por exemplo abandonar os serviços em datas programadas ( como o fazem todas as outras classes quando estão em greve) sem sequer assegurar serviços mínimos, para ver se deixam de ” brincar com os Enfermeiros. Por uma tabela salarial justa e compensatória que dignifique a classe e ponha cobro a todas as injustiças. Que se mostre que não estamos dispostos a tolerar esta discriminação.
    A união faz a força. Às vezes é preciso mostrá-la.
    Tenho dito. Reflitam.

  6. Cristina Timóteo

    Aplaudo

  7. Luís Filipe Patrão Cruz Reis

    Apagaram ou retiraram o meu comentário. A ser verdade isso tem um nome.
    Luís Patrão

  8. Maria Augusta do Carmo Simoes

    Faço minhas as palavras do colega Manuel Silva e se todas e todos assim pensarem ,garanto-vos que a situação mudava.Parabéns Manuel Silva pela tua reflexaõ.

  9. Madalena Oliveira

    Aplaudo o Manuel Silva e também o comentário da Ana Santos

    E acrescento: a GREVE CIRÚRGICA estava prestes a resultar…foi a mais positiva que vi em 40 anos de carreira ( mas AINDA sem idade para me reformar)
    O que aconteceu VENDERAM-SE ??
    CONCORDO TOTALMENTE em “…redicalizar posições…” pois nem o que passámos no COVID fez os nossos directores hospitalares e governantes nos darem VALOR.
    Palmas não pagam contas, são momentâneas

  10. Madalena Oliveira

    O meu comentário apareceu mas depois….

  11. maria prada

    Aplaudo o Manuel Silva. Está na hora da mudança. Com a greve cirúrgica estivemos perto…..não recuemos agora….doa a quem doer, custe o que custar.

  12. Fabio Silva

    Sendo enfermeiro, julgo que uma das medidas que deveria ser tomada, seria a contagem efetiva de todas as horas de serviço prestadas. Façamos um exercício de clarividência. Todos sabemos, que muitos serviços só funcionam porque alguns de nós disponibilizam-se para fazer horas extra, muitas vezes ultrapassando as 800 horas anuais. Na mesma linha de pensamento, um funcionário público com horário dito normal, cumpre aproximadamente 1650 horas ano, horário de 35 horas semanais. Se somarmos às 800 realizadas anteriormente e colocando numa forma mais prática significa, que este enfermeiro trabalhou num ano o equivalente a ano e meio. Ao fim de 20 anos este colaborador cumpriu efetivamente 30 anos. Nesta linha de pensamento devíamos reformar, quando tivéssemos 40 anos de descontos. Portanto, a reforma aos 60 é mais que justa. As horas extra são altamente tributadas e como já me aconteceu, um colega que trabalhe menos horas, acaba por tributar menos logo leva mais dinheiro para casa.
    Exigigem-nos o compromisso, a competência, o saber. Cumpram a vossa parte porque os enfermeiros poupam milhares de euros ao SNS.

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