Portugueses com pior sono durante pandemia e início da guerra na Ucrânia

9 de Maio 2025

Os portugueses tiveram pior sono durante a pandemia e no início da guerra na Ucrânia, verificando-se um aumento de pesadelos, emoções negativas e distúrbios do sono, concluiu uma investigação do Instituto Superior Miguel Torga, em Coimbra.

“Em contextos de crise prolongada, como a pandemia ou a guerra na Ucrânia, o sono torna-se um campo sensível de expressão do sofrimento psicológico coletivo, revelando disfunções que, muitas vezes, precedem outros sinais clínicos”, destacou Henrique Testa Vicente, investigador do Instituto Superior Miguel Torga e autor do estudo.

Os dados da investigação “Sleep Patterns and Crisis-Related Dreams During the COVID-19 Pandemic and the Russo-Ukrainian War”, concluída em 2024 e publicada em março deste ano, apontam para um aumento expressivo de distúrbios do sono, uma maior memória deles e também uma intensificação dos pesadelos durante a pandemia.

Em declarações à agência Lusa, a docente do Instituto Superior Miguel Torga e coautora do estudo, Joana Proença Becker, revelou que o medo, a ansiedade e a culpa figuram entre as emoções mais identificadas numa amostra de 1.700 participantes.

“A ansiedade foi maior na pandemia, porque se tratou de uma crise que afetou diretamente os portugueses, enquanto a guerra foi uma experiência vicariante, que as pessoas acompanharam pela comunicação social e afetou mais a parte financeira, causando algumas inseguranças e stresse”, esclareceu.

De acordo com Joana Proença Becker, os sonhos não são apenas um reflexo do medo, ansiedade e culpa.

“Revelam também as estratégias inconscientes de processamento emocional face ao sofrimento coletivo”, acrescentou.

Já para Henrique Testa Vicente, os resultados sublinham a importância de compreender o sono, não apenas como uma função fisiológica essencial, mas também como um espelho das tensões sociais e emocionais que atravessam a sociedade.

“As sociedades modernas tendem a desvalorizar o impacto das experiências vividas em larga escala sobre os ritmos mais íntimos e subjetivos dos indivíduos. No entanto, é precisamente nesses territórios subjetivos – como o sono e o sonho – que encontramos ‘pistas’ sobre o estado emocional das pessoas e o modo como elas processam, de forma consciente ou inconsciente, as suas vivências”, afirmou.

No contexto da guerra, o estudo demonstra que os portugueses revelaram níveis mais elevados de tristeza, raiva e sensações físicas de desconforto, como dor, frio ou paralisia.

“Estes indicadores devem ser lidos como sinais de impacto emocional profundo, mesmo entre populações não diretamente envolvidas nos conflitos. É ao identificar estas manifestações que conseguimos compreender melhor como as pessoas estão a ser afetadas e onde é urgente intervir do ponto de vista da saúde mental”, sustentou Joana Proença Becker.

O estudo investigou a duração do sono, o tempo que cada pessoa demora a adormecer (a latência do sono), os despertares noturnos, a sonolência diurna e também a qualidade geral do sono, bem como a frequência de recordação de sonhos e pesadelos.

Segundo a docente, esta análise concluiu que as dimensões emocionais e sensoriais dos sonhos oferecem uma perspetiva alternativa sobre o processamento, subconsciente ou inconsciente, destes eventos mundiais.

“O impacto psicológico e psicossocial das crises coletivas é muito maior do que imaginamos. Os portugueses sofreram, e ainda sofrem, mesmo que inconscientemente, e isso reflete-se nos padrões de sono e nas experiências oníricas que descrevem”, alegou, alertando para a “necessidade de políticas públicas mais integradas”, que considerem o sono e a saúde mental como “dimensões interdependentes na resposta a futuras crises sociais, sanitárias ou geopolíticas”.

Ações como promover uma boa higiene do sono, criar espaços para a escuta emocional e reforçar os apoios psicológicos são exemplos dados pelos investigadores e que “devem ser prioridades estratégicas em períodos de instabilidade”.

lusa/HN

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