“Apelo, agora que estamos a meio da última semana de campanha, a que os partidos que vão ser Governo em Portugal, o Partido Socialista ou a Aliança Democrática, considerem a saúde uma questão de regime, e não uma questão de combate setorial”, afirmou.
Em declarações à Lusa à margem do encontro Health Re:Design Summit, que hoje decorre na Reitoria da Universidade NOVA de Lisboa, o especialista defendeu que esse “entendimento estratégico” seria mais importante e eficaz do que “fazer da saúde uma questão de trincheira e uma arma de arremesso”.
“Como aliás vimos ontem, recorrendo a tudo, inclusivamente manipulando aquilo que é uma tendência absolutamente aceitável e compreensível da variação da taxa de mortalidade infantil, era pensar o futuro”, disse à Lusa o responsável, lembrando que a taxa de mortalidade infantil em 2018 esteve nos 3,3, mais elevada do que a de 2024 (3,0), revelada na segunda-feira.
O ex-ministro da Saúde (entre 2015 e 2018) alertou para a necessidade de “mais estratégia e menos achismo”, considerando que a despesa em saúde está “em roda livre”.
“Paulo Macedo [ex-ministro da Saúde] e eu próprio e tivemos 9.000 milhões de euros para gerir o SNS [o orçamento do Ministério da Saúde para 2025 é de mais de 16.000 milhões de euros]. É certo que houve a pandemia, é certo que era necessário atualizar a remuneração dos profissionais que estavam subvalorizados, mas nós não estamos a afetar os recursos na justa proporção do que estamos a retirar do sistema”, defendeu.
Para o ex-governante, “isso dá argumentos àqueles que defendem que o SNS não é sustentável e, portanto, deve ser privatizado”.
“E também deixa a sensação de que, efetivamente, o domínio público não é capaz de dar valor ao investimento que o cidadão faz através dos seus impostos”, acrescentou.
Sobre o constante aumento da despesa em medicamentos – nos primeiros 10 meses de 2024 a despesa nos hospitais do SNS cresceu 15%, fixando-se em 1.937,4 milhões de euros – defendeu maior negociação com a indústria farmacêutica, para que a sustentabilidade do sistema não prejudique o acesso.
“Nós não podemos vedar o acesso aos bons medicamentos, à boa inovação terapêutica, mas não podemos ter uma relação que não seja de grande exigência com aqueles que fornecem”, disse.
E exemplificou: “O Presidente Trump, toda a gente o critica pelas loucuras que comete, acabou de dizer que vai reduzir, em média, 80% no preço dos medicamentos nos Estados Unidos, porque estão a tornar-se insustentavelmente inacessíveis aos cidadãos”.
Defendeu que a indústria farmacêutica “tem de ser colaborante e cooperativa com os Estados, com a dimensão social da saúde”. “E isso obriga a governos fortes a um diálogo forte, a um regulador forte, e não a uma perspetiva de contemplação, porque a contemplação leva-nos a um disparo da despesa que o país não está preparado para suportar”.
“Se a economia vier a arrefecer, como tudo indica (…), 20 mil milhões na saúde são difíceis de incorporar no Orçamento Geral do Estado, com o acréscimo da própria afetação de recursos financeiros à defesa, como é do conhecimento geral”, afirmou.
Professor associado convidado da Escola Nacional de Saúde Pública, Adalberto Campos Fernandes lembrou que o Reino Unido criou em 1985 a figura do diretor executivo do SNS e o sistema está hoje “à beira da falência”.
Criticou a criação de uma estrutura do género em Portugal, defendendo que o diretor executivo deveria estar integrado na Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS).
“Para que é que nós estamos a inventar? O sistema, apesar de tudo, vai crescendo, vai libertando resultados, apesar dos erros que todos nós – e eu não me tiro fora deste grupo – vamos cometendo involuntariamente”, afirmou.
NR/HN/Lusa
0 Comments