Sobreviventes do Coração: Histórias Reais no Hospital Amadora-Sintra

13 de Junho 2025

Na Unidade de Insuficiência Cardíaca do Hospital Fernando Fonseca, no Amadora-Sintra, trava-se diariamente uma luta silenciosa pela vida de centenas de doentes com corações debilitados, mas resilientes.

É o caso de Emanuel Pais, de 68 anos, que sobreviveu já a três enfartes, foi submetido a seis cateterismos, teve de ser reanimado e vive com um cardioversor desfibrilador implantado. A sua presença é familiar nos corredores da unidade, que conhece bem desde que, em 2016, a sua vida mudou drasticamente.

Nessa altura, Emanuel passou uma semana sem conseguir respirar ou caminhar, sintomas que se revelaram sinais clássicos de insuficiência cardíaca: líquido nos pulmões, cansaço extremo, falta de ar, inchaço nos membros e ritmo cardíaco irregular. Desde então, foram várias as vezes em que necessitou de internamento, a última das quais ocorreu recentemente, após um episódio de extrema fadiga que o obrigou a recorrer ao serviço de urgência e ser reanimado.

A sua resposta à doença tem sido exemplar. Mudou radicalmente de estilo de vida: adoptou uma alimentação com baixo teor de sal, começou a caminhar todos os dias e deixou de conduzir em viagens longas, por precaução. Tudo para, como diz, “viver mais uns anitos”.

Do outro lado da luta estão os profissionais de saúde. A médica internista Cátia Henriques acompanha Emanuel há vários anos e sublinha a importância de uma intervenção rápida nas fases de descompensação da doença. Corrigir o excesso de líquidos, ajustar a medicação e controlar as arritmias são prioridades para evitar complicações e permitir que os doentes regressem rapidamente a casa. A recuperação, acrescenta, começa logo no primeiro dia de internamento, mesmo quando o doente ainda necessita de oxigénio. A fisioterapia precoce é incentivada, contrariando a ideia de que o repouso absoluto é o melhor remédio para o coração frágil.

A insuficiência cardíaca afeta cerca de um em cada seis portugueses com mais de 50 anos, prevalência que duplica após os 70. A sua natureza crónica obriga a internamentos frequentes, às vezes com intervalos de apenas duas semanas, como destaca a enfermeira Teresa Gonçalves, há quase 16 anos no Serviço de Cardiologia do hospital.

Nem todos os casos se manifestam de forma evidente. Paulo Pinto, 56 anos, descobriu uma arritmia cardíaca por acaso, durante um exame de rotina no trabalho. Nunca sentiu dor nem desmaios, sintomas comuns associados à condição. Após a deteção, foi internado para realizar uma cardioversão elétrica, intervenção que repõe o ritmo normal do coração. Espera agora poder regressar rapidamente à sua vida ativa.

Já Ricardo Sousa, de 35 anos, enfrentou um percurso mais angustiante. Foi às urgências dez vezes, queixando-se de um cansaço extremo que lhe impedia de dar mais do que três passos. Só na décima visita foi diagnosticado com insuficiência cardíaca. Apesar do atraso, a deteção atempada permitiu salvar-lhe a vida. Hoje, com medicação adequada e um cardioversor desfibrilador implantado, retomou a sua profissão de bombeiro e tem uma vida normal.

António Assis, 48 anos, trabalhador numa padaria, pensou inicialmente que os sintomas que sentia – inchaço nas pernas, falta de ar e fadiga – se deviam a uma gripe. Enquanto os colegas recuperavam, ele agravava-se. Durante algum tempo foi tratado para a gripe, mas acabou por se descobrir que sofria de insuficiência cardíaca grave, com o coração dilatado e uma frequência cardíaca de apenas 10 batimentos por minuto, quando o normal é entre 60 e 100.

O tratamento incluiu medicamentos caros, não comparticipados, e, mais recentemente, a implantação de um cardioversor desfibrilador. António é agora acompanhado remotamente pelo hospital, o que lhe dá uma sensação de segurança constante. Se falha uma medição, é contactado de imediato. Recuperou o peso perdido, voltou ao trabalho e diz-se hoje com energia renovada.

À frente da Unidade de Insuficiência Cardíaca, o médico David Roque defende uma reorganização urgente dos cuidados de saúde para estes doentes. Aponta a elevada frequência de idas à urgência e reinternamentos como sinais de um sistema que pode e deve funcionar melhor. A qualidade de vida das pessoas com insuficiência cardíaca está “bastante comprometida”, alerta, defendendo a criação de um programa nacional de combate à doença.

A insuficiência cardíaca afeta já cerca de 800 mil portugueses e, com o envelhecimento da população, este número tenderá a aumentar. A resposta a este desafio implica vigilância próxima, intervenções precoces, reabilitação ativa e reorganização dos recursos de saúde. Mas acima de tudo, exige reconhecer a força dos doentes e o esforço incansável de quem luta diariamente para que cada coração continue a bater.

lusa/HN

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