Patrício, portador de albinismo, já passou por duas cirurgias no Hospital Central de Nampula, no norte de Moçambique, mas a ferida causada pelo cancro na sua orelha, que começou como uma borbulha em 2022, não passou.
“Se melhorar, quero estudar medicina. Quero cuidar de outros como eu”, disse Patrício, em entrevista à agência Lusa.
Na segunda cirurgia, os médicos disseram ao adolescente de 18 anos que a cura ao cancro está condicionada à única máquina de radioterapia de Moçambique, que está no Hospital Central de Maputo, a maior unidade do país, entretanto avariada há pouco mais de um ano, segundo a comunicação social local.
“Em 2022, era uma borbulha e depois começou a crescer pouco a pouco até que piorou e infetou toda a orelha (…). Fui operado pela primeira vez em 2024, mas a ferida continuava, voltei para ser operado este ano, mas os médicos dizem que para essa ferida curar preciso fazer radioterapia”, contou Patrício Jorge, que nasceu em Lalaua, distrito de Nampula.
O adolescente vive com a orelha coberta por ligaduras e o sonho de se formar em medicina está condicionado porque não tem condições para fazer o tratamento fora de Moçambique.
Assinala-se hoje o Dia Internacional de Conscientização sobre o Albinismo, uma condição de ausência de melanina na pele, nos olhos, nos pelos e nos cabelos, componente responsável pela pigmentação e proteção da radiação solar.
Além de Patrício Jorge, a exposição prolongada ao sol e sem meios de proteção causou também um cancro ao jovem Assane Chande, de 25 anos, natural da Ilha de Moçambique, em Nampula.
Com o rosto cabisbaixo, Assane, cuja doença foi diagnosticada há seis meses, não consegue sequer explicar à Lusa como o seu rosto se transformou devido ao cancro.
“Eu não sei o que aconteceu, quando dei por mim tinha essa borbulha na minha cara”, disse o jovem, também com albinismo, enquanto aguarda por uma cirurgia, já marcada.
Para a coordenadora de uma missão cirúrgica espanhola destinada às pessoas com albinismo, Cata Lavandeira, a avaria da única máquina de radioterapia em Moçambique expõe “com dureza” a fragilidade do sistema de saúde do país, quando os pacientes enfrentam dificuldades para fazer o tratamento em outros países.
“Há muitos pacientes que precisam de fazer radioterapia e em Moçambique não está disponível. Há países alternativos como Malawi, África de Sul ou Espanha, mas esses tratamentos são muito caros, fazemos de tudo, mas os recursos são muito escassos”, disse a coordenadora de missões médicas na Organização Não-Governamental espanhola África Direto, que está numa missão de cirurgias em Nampula, destinadas a pessoas com albinismo.
Cata Lavandeira disse que a falta de tratamento do cancro pode travar os sonhos de muitos jovens: “É triste falar para uma pessoa de 14, 20 ou 23 anos que ainda tem sonhos e que por causa do sol não vai conseguir concretizar”.
O Governo moçambicano admitiu, no dia 09, que as pessoas com albinismo continuam a enfrentar “estigmas profundos” no país, incluindo mutilação, discriminação e exclusão social, prometendo ajustar a legislação para proteger este grupo.
“Esta realidade é inaceitável e deve ser repudiada com firmeza por todos nós. É uma ferida aberta na nossa consciência coletiva e violação dos princípios consagrados na nossa Constituição da República e nos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo nosso país”, disse Mateus Saize, ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, durante o lançamento da campanha sobre a consciencialização do albinismo, em Maputo.
As pessoas com albinismo têm sido vítimas de perseguições, violência e discriminação devido a mitos e superstições, que incluem o uso de órgãos ou ossadas em rituais, sendo colocadas entre os principais alvos de violações de direitos humanos.
A profanação de sepulturas é também uma realidade, para se saquearem as ossadas de albinos enterrados.
Os curandeiros africanos podem chegar a gastar mais de 70 mil euros por cada órgão de uma pessoa albina.
Dados divulgados em 2023 pela Lusa indicam que, desde 2014, só em Moçambique, pelo menos 114 pessoas com albinismo desapareceram em circunstâncias não esclarecidas, segundo as estatísticas da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).
lusa/HN
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