Em declarações à agência Lusa a propósito do Dia Internacional da Criança com Cancro, que se assinala na terça-feira, a diretora-geral da Acreditar, Margarida Cruz, lembrou que o não cumprimento desta lei prejudica o conhecimento da realidade e, como consequência, a definição de políticas públicas adequadas.
“Custa-me porque, não obstante o cancro pediátrico ser uma doença grave, é ainda uma doença rara – e espero que continue a ser uma doença rara. Não estamos a falar de números muito elevados no nosso país estamos a falar à volta dos 400. Mas, de facto, nunca sabemos muito bem quantos são pois não há registo”, afirmou.
Margarida Cruz disse que, uma vez que se trata de uma questão desta dimensão, não compreende como o registo oncológico pediátrico não está ainda a funcionar, com dados atualizados, e dá o exemplo de uma circunstância em que a existência de dados atualizados seria essencial.
“Nós decidimos aumentar a capacidade da nossa casa [de acolhimento] de Lisboa [de 12 para 32 pessoas] e para isso eu queria perceber quais eram os números atuais de modo a poder planificar uma casa para o futuro. Se até para isto é importante, imagine para os hospitais poderem dimensionar os serviços”, exemplificou.
“Cada vez que um hospital se reformula e faz obras, ou aumenta a sua capacidade, como aconteceu, por exemplo, no Hospital de São João, no Porto, que fez uma ala pediátrica nova onde está incluída a oncologia pediátrica, eu pergunto me como é que se dimensiona o serviço quando nós não sabemos com quantos doentes é que vamos contar”, insistiu.
Numa nota a que a Lusa teve acesso, a Acreditar lembra que em Portugal são diagnosticados cerca de 400 novos casos de cancro pediátrico por ano, com uma taxa de sobrevivência de 80%, mas sublinha que os números “continuam a ser encontrados com base em estimativas”.
“É por isso que continuamos a ter de falar na necessidade de um registo oncológico pediátrico (ROP) autonomizado e atualizado, previsto numa lei que não está a ser cumprida”, refere.
A associação lembra que os dados mais atuais sobre cancro pediátrico estão no Registo Oncológico Nacional de 2018, publicados em janeiro de 2021.
“Ainda assim, o documento indica que não há dados dos Açores. Da sua análise, é também de salientar a inexistência de casos em alguns distritos, o que não coincide com o conhecimento no terreno da Acreditar”, diz a associação, que sublinha a importância deste registo para se poder avaliar e caracterizar a incidência e epidemiologia da população oncológica pediátrica e jovem até aos 25 anos.
“O desconhecimento e imprecisão dos números em geral e das circunstâncias dos tipos de cancro, tratamentos, evolução da doença e sequelas, colocam em causa a qualidade de vida dos sobreviventes e a definição de políticas públicas adequadas para esta área”, alertou.
A Acreditar acrescenta que a falta de dados põe igualmente em causa “a referenciação em bases de dados internacionais”, o que pode determinar a entrada em ensaios clínicos.
“A investigação e a melhoria de cuidados de saúde e de tratamentos oncológicos não podem continuar a viver de pressupostos nem apenas da boa vontade dos investigadores e médicos”, considerou.
A agência Lusa tentou obter esclarecimentos sobre o funcionamento do registo oncológico pediátrico com a nova coordenadora, mas tal não foi possível em tempo útil.
Esta associação insiste também na necessidade de um maior acompanhamento dos doentes que transitam dos serviços pediátricos para os serviços de adultos, o que acontece quando estes atingem os 18 anos.
“Uma transição adequada deve ser um processo planeado e organizado, que aborda as necessidades médicas, psicossociais e educacionais destes adolescentes e jovens adultos com cancro, uma vez que passam de um sistema centrado na criança para os serviços de adultos”, referiu.
Defendeu que “deve ser preparada e gradual, feita entre o oncologista pediátrico que o acompanhou o doente até aí e o novo médico que o acompanhará” e “sempre em conjunto com a família”.
Em declarações à Lusa, Margarida Cruz disse que esta mudança de realidade – para os serviços de oncologia de adultos – faz com que, por vezes, alguns jovens se sintam “em terra de ninguém”.
E adiantou que a questão “tem sido levantada em vários países” e que há já locais com protocolos específicos que garantem uma transição acompanhada durante algum tempo pelo oncologista pediátrico que seguiu o doente.
“É essa atenção que nós gostávamos que fosse dada. (…) Que houvesse uma definição sobre a forma como um jovem deve passar do serviço de pediatria para o serviço de adultos de modo a que exista acompanhamento que não dependa só da boa vontade de toda a gente envolvida (…) e que não haja pessoas que fiquem esquecidas em terra de ninguém”, afirmou.
LUSA/HN
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