Metagenómica ou a arte de fazer um ‘diagnóstico cego’ que pode salvar vidas

1 de Dezembro 2022

Permite fazer um diagnóstico cego, detetando todas as sequências genéticas de uma amostra biológica - sangue ou um pedaço de pele. Chama-se metagenómica e ajuda a encontrar o ‘culpado’ de uma doença ou infeção quando não se sabe o que procurar.

O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) já está a otimizar procedimentos para fazer esta espécie de “diagnóstico cego”, que o investigador João Paulo Gomes diz ser o futuro nos laboratórios. O difícil, assume, é filtrar depois tudo o que se encontra.

“É uma metodologia extremamente fina de sequenciação, que tem como princípio básico a sequenciação cega. Temos uma amostra, por exemplo, uma amostra clínica de um hospital para o qual se desconhece (…) qual o microrganismo causador de determinada infeção, e é-nos pedida ajuda para, através da metagenómica, tentarmos perceber o que lá está e que possa ser o potencial causador dessa infeção”, explica o investigador.

Mas o que parece simples, acarreta enormes dificuldades: “É uma metodologia tão sensível que acaba por, de uma forma cega, de detetar mesmo tudo o que está presente nessa amostra. Não só os micróbios que possam ser os causadores da doença, como tudo o que seja contaminante: os micróbios que estejam no ar, ou os que estão a contaminar os reagentes”.

Diz que muitas vezes se identificam centenas de microrganismos numa amostra e que, depois, “é preciso fazer a distinção entre aquilo que possa ser o microrganismo causador da doença e o que está a mais”.

“Essa é a grande dificuldade”, nota, realçando que a metagenómica já deu provas de sucesso: “Conheço alguns exemplos, que envolvem inclusive crianças, em coma, para as quais se tentaram vários procedimentos de diagnósticos específicos, em que os médicos suspeitam de que se trata do vírus A ou a bactéria B, mas todos os testes falharam. Recorreram à metagenómica e conseguiram perceber (…) que uma determinada bactéria seria a causadora”.

Foi a primeira metodologia usada para identificar o vírus da ‘monkeypox’: “Todos os grupos tinham alguma pressa em entender qual a sequência genómica do vírus monkeypox que estava a circular porque (…) há linhagens diferentes, o vírus evolui, e havia alguma pressa em perceber qual a sequência genética que estava a causar este surto mundial”, contou, acrescentando: “A técnica mais rápida era a utilização da metagenómica”.

Esta metodologia permitiu não só confirmar que o vírus estava lá, como também determinar a sequência genómica do vírus no seu todo. “Aliás, fomos os primeiros a fazê-lo”, lembra o investigador.

João Paulo Gomes, que coordena o Núcleo de Genómica e Bioinformática do Departamento de Doenças Infecciosas do INSA, explica que nem sempre é possível fazer um diagnóstico dirigido. “Isso apenas é possível quando há suspeita de se tratar do agente A ou B. Quando não sabemos o que procuramos isso não é possível”. E é aí que entra a metagenómica.

É numa máquina um pouco maior do que uma impressora que as amostras entram e ficam um a dois dias, por vezes, para que seja feita a leitura do que ali está. Resulta numa espécie de códigos, que têm depois de ser “arrumados”, como se de um puzzle se tratasse.

O investigador insiste que, por permitir identificar tudo o que está numa determinada amostra, “o resultado final é, por vezes, muito complexo e de difícil interpretação”.

E exemplifica: “Uma amostra biológica que seja colhida de uma ferida na pele, é uma amostra que não vem pura. Além de vir carregada de células humanas, vem também carregada de bactérias e de vírus. Vem carregada de coisas que estão a contaminar e que nada têm que ver com a causa da doença”.

Diz estar convencido de que esta metodologia será, daqui a oito ou 10 anos, “o grande teste de diagnóstico” que vai equipar os laboratórios mundiais e aponta os casos de sucesso já registados na literatura científica.

Por enquanto, tem dois entraves: “Ainda é um bocadinho cara”- “mas os preços descem todos os anos” – e a análise de computadores ”ainda não está avançada o suficiente para que possamos, de forma inequívoca, separar aquilo que interessa daquilo que está a contaminar”.

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Mónica Nave: “É muito importante conhecer as histórias familiares de doença oncológica”

No âmbito do Dia Mundial do Cancro do Ovário, a especialista em Oncologia, Mónica Nave, falou ao HealthNews sobre a gravidade da doença e a importância de conhecer histórias familiares de doença oncológica. Em entrevista, a médica abordou ainda alguns dos principais sintomas. De acordo com os dados da GLOBOCAN 2022, em Portugal foram diagnosticados 682 novos casos de cancro do ovário em 2022. No mesmo ano foi responsável por 472 mortes, colocando-o como o oitavo cancro mais mortal no sexo feminino.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights