Economista critica resposta do Governo “à guerra atual” da pandemia

9 de Outubro 2020

O economista Ricardo Cabral entende que o Governo ainda está "nos moldes de pensamento do passado", sem estar a responder adequadamente "à 'guerra' atual" da pandemia de Covid-19, passando "grande parte do custo do ajustamento para as famílias".

“O Governo está ainda nos moldes de pensamento do passado, ainda não apreendeu que está, digamos, obrigado a responder à maior crise económica – provavelmente maior que a Grande Depressão – e não está a enfrentar o problema, está a combater a última ‘guerra’ e não a ‘guerra’ atual”, disse Ricardo Cabral em entrevista à Lusa.

O professor universitário entende que “as autoridades europeias e nacionais estão a reagir mal” e a “agravar a crise” provocada pela pandemia de Covid-19.

“Para já, passaram grande parte do custo do ajustamento para as famílias, e imagine o que é uma família estar com 30% do rendimento a menos durante seis meses”, relevou.

Ricardo Cabral entende que perante um “choque”, em vez de se proteger “o elo mais fraco”, está-se a “transtornar a vida das pessoas numa situação de pandemia, com problemas enormes, com problemas das famílias, com as crianças”, e ainda a “tornar a vida das pessoas mais insegura”.

“O desemprego está a aumentar. E depois nós sabemos que quando acabarem estes programas [de manutenção de emprego, como mecanismos de ‘lay-off’], toda a gente que estava nesses programas vai para o desemprego, assim sem mais nem menos. Foi uma estratégia incorreta, e eu não vou usar uma palavra mais forte, [mas] deveria utilizar uma palavra mais forte”, prosseguiu.

Para o Orçamento do Estado de 2021 (OE2021), o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG, Lisboa) defende a existência de “programas para compensar” as perdas económicas provocadas pela pandemia de covid-19.

“Ou seja, para garantir que a vida continua como normal, como se nós não estivéssemos a sofrer um choque, o maior choque das nossas vidas”, defendeu.

Questionado acerca do aumento do salário mínimo, o economista reconheceu que “a reação instintiva quando sofremos um choque é apertar o cinto”, mas afirmou, por outro lado, que “a resposta macroeconómica correta é reagir ao choque não apertando o cinto, mas alargando um pouco o cinto para que as pessoas não sintam tanta pressão e gastem mais dinheiro”.

“Temos de pôr as pessoas um pouco mais confiantes, a gastar mais dinheiro na economia. Nós vimos a poupança aumentar porquê? Para já, as pessoas não saem de casa porque têm medo de apanhar o vírus, não gastam dinheiro, é por isso que a poupança está a aumentar”, referiu, em primeiro lugar.

Depois, questionando-se se isso era “bom”, disse que “não, porque está a causar um desastre em montes de atividade económica no setor dos serviços” e a “rebentar com a economia”.

Ainda sobre o aumento do salário mínimo, “apesar dos empresários poderem pensar ‘isto prejudica-me’, não prejudica”, de acordo com Ricardo Cabral.

“Isso vai ser gasto na economia nacional, e se é gasto na economia nacional, significa que esses pequenos empresários vão ter mais receitas. Se todos fizermos isto, é melhor para todos nós”, argumentou Ricardo Cabral.

O economista entende que atualmente, e nas negociações do OE2021, o Governo está a comportar-se “como se estivesse já obrigado a fazer austeridade orçamental”.

“Toda a estratégia do Governo para a Administração Pública é de austeridade pura e simples, é errada, e parece-me muito, muito negativa”, defendeu, considerando a situação “completamente insustentável em termos ideológicos, é quase como que uma ‘guerra’ contra os funcionários públicos”.

“E isto passa-se também no setor privado. Eu sei que o setor privado também tem condições muito duras, e tiveram cortes nos salários e muita insegurança no trabalho”, acrescentou.

Sobre as pensões, Ricardo Cabral observou que com a sinalização do Governo de que os aumentos extraordinários poderão acontecer em agosto, isso acontece “para evitar o efeito orçamental todo”.

“Só isso sinaliza que a prioridade do Governo é o défice e a dívida. Se houvesse mesmo interesse, os aumentos eram logo a partir de janeiro. Isso são tudo só técnicas para minimizar o impacto no défice e na dívida, e mostra que a prioridade do Governo não é a economia nem a macroeconomia, mas sim o défice e a dívida”, vincou.

O economista afirmou também que o país não pode “viver permanentemente ligado à máquina” e deve “começar a deixar o processo de reestruturação acontecer” na economia.

“O Governo está muito passivo. As pessoas, funcionários públicos mas também os dirigentes públicos, estão muito protegidos, estão nas suas redomas de vidro, não sentem no seu círculo, ou dificilmente sentem, o choque que está a ocorrer na economia”, considerou o académico.

LUSA/HN

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