Negociação para intervenção na Cabo Verde Airlines “é complexa”. Cabo Verde “apreciou muito” moratória de Portugal mas espera mais

7 de Setembro 2020

O primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, afirmou esta segunda-feira que a negociação para o apoio público à Cabo Verde Airlines (CVA) “é complexa”, mas garante que a companhia, parada há seis meses, “continuará a existir”.

Em entrevista à agência Lusa, Ulisses Correia e Silva assumiu que a situação que a CVA atravessa, com o arquipélago encerrado às ligações aéreas internacionais regulares para travar a pandemia de Covid-19, é idêntica à da “maior parte das companhias aéreas do mundo”. “Isto relativamente à não realização de voos e as consequências económicas e financeiras daí advenientes. As soluções de viabilização das companhias no contexto da pandemia do coronavírus não são fáceis na Alemanha, em França, em Portugal, em qualquer outro país e obviamente também em Cabo Verde”, disse.

O chefe do Governo acrescentou que o executivo está a trabalhar com a administração da CVA – desde março de 2019 liderada por investidores islandeses – num “quadro complexo” de apoio, mas deixou a garantia: “Sendo certo que qualquer que seja a decisão final, a CVA continuará a existir e a ser a companhia de bandeira”.

Há várias semanas que são conhecidas negociações entre o Governo e a administração da CVA sobre o apoio estatal à companhia, ainda sem entendimento.

Em causa está uma companhia privatizada há um ano e meio, em que o Estado ainda detém uma participação no capital social de 39%, mas que está totalmente parada desde a suspensão dos voos internacionais para o arquipélago.

Cabo Verde permanece encerrado a voos internacionais, mantendo apenas, desde 01 de agosto, um “corredor aéreo” com Portugal para “voos essenciais” nos dois sentidos, que obrigam à apresentação de testes negativos à Covid-19.

Quanto à retoma das ligações aéreas internacionais regulares, que já chegou a estar prevista para julho e depois para agosto, os únicos que a CVA operava através da aposta no ‘hub’ internacional na ilha do Sal, o primeiro-ministro não se compromete com datas. “Voos internacionais estão a ser realizados, em condições específicas, de e para Portugal. O regresso de voos internacionais em regime de normalidade ou mesmo condicionado não depende da vontade e iniciativa de Cabo Verde, mas de países terceiros. Por isso não lhe posso indicar datas”, disse ainda.

Em março de 2019, o Estado de Cabo Verde vendeu 51% da então empresa pública TACV (Transportes Aéreos de Cabo Verde) por 1,3 milhões de euros à Lofleidir Cabo Verde, empresa detida em 70% pela Loftleidir Icelandic EHF (grupo Icelandair, que ficou com 36% da CVA) e em 30% por empresários islandeses com experiência no setor da aviação (que assumiram os restantes 15% da quota de 51% privatizada).

O Governo cabo-verdiano concluiu este ano a venda de 10% das ações da CVA a trabalhadores e emigrantes, mas os 39% restantes, que deveriam ser alienados em bolsa, a investidores privados, vão para já ficar no domínio do Estado, decisão anunciada pelo executivo devido aos efeitos da pandemia.

A administração da CVA divulgou em agosto passado a necessidade de uma injeção financeira para “melhorar a liquidez atual da empresa em benefício de seus funcionários, credores e todas as demais partes interessadas”.

Antes da crise provocada pela pandemia de Covid-19, a administração da CVA já tinha apontado que a companhia necessitava com urgência de um empréstimo de longo prazo para garantir a sua operacionalidade.

A CVA transportou quase 345 mil passageiros no primeiro ano (01 de março de 2019 a 28 de fevereiro de 2020) após a privatização de 51% da companhia, um aumento de 136% face ao período anterior, segundo dados fornecidos à Lusa pela empresa.

Relativamente às moratórias de Portugal, o primeiro ministro de Cabo Verde diz ter apreciado muito a moratória aprovada por Portugal ao pagamento da dívida cabo-verdiana, devido às consequências económicas da pandemia de covid-19, mas pede que se faça mais. Ulisses Correia e Silva recordou que “uma parte importante da dívida bilateral” do país “é com Portugal, a grande maioria empréstimos comerciais bonificados pelo Governo português”, daí a importância da moratória, até final do ano, anunciada em agosto por Lisboa.

“Apreciamos muito. Pode fazer mais, no quadro multilateral de alívio da divida externa, cujo modelo e condições ainda não estão definidos e dependem de credores e de abordagem concertada entre países”, afirmou Ulisses Correia e Silva.

O Governo português concedeu uma moratória, até 31 de dezembro de 2020, sobre os empréstimos diretos concedidos a Cabo Verde e a São Tomé e Príncipe, segundo um comunicado conjunto dos ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, divulgado no início de agosto. Segundo o executivo, “a adoção desta medida de suspensão do pagamento de capital e juros vai determinar uma negociação, até setembro próximo, de acordos de moratória” com os dois países africanos de língua oficial portuguesa e o “estabelecimento de novo plano e condições de empréstimos”.

Esta moratória integra o “quadro de medidas de mitigação dos impactos económicos, sociais e sanitários provocados pela pandemia de Covid-19”, refere-se ainda na nota. A medida do executivo liderado por António Costa responde ao repto lançado pelo Clube de Paris, entidade criada informalmente em 1956 para apoiar países em dificuldades económicas, e pelo G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, “a todos os credores bilaterais oficiais e privados, para uma mobilização mundial no apoio aos países menos desenvolvidos, através da ‘Iniciativa de suspensão do serviço de dívida’”, acrescenta-se na nota.

O vice-primeiro-ministro de Cabo Verde, Olavo Correia, defendeu no final de julho uma “reconversão” da dívida de 600 milhões de euros a Portugal em “investimentos estratégicos” no arquipélago, em “condições” que sejam “do interesse” de ambos os países. A posição foi assumida por Olavo Correia, que é também ministro das Finanças, tendo sublinhado que Portugal “é um parceiro estratégico”.

“É o maior credor da dívida externa cabo-verdiana, entre financiamento bilateral e operações com a banca estamos a falar de aproximadamente de 600 milhões de euros”, reconheceu o governante, acrescentando que a abordagem, no futuro, passa pela “reconversão dessa dívida em investimentos estratégicos nos mais diversos domínios”.

“Do digital, à transformação agrícola, das energias renováveis, da educação, da transformação de Cabo Verde enquanto país plataforma, mas também a inclusão social e da promoção da qualificação das instituições. Uma reconversão em condições que poderão ser do interesse de Cabo Verde e de Portugal”, sublinhou Olavo Correia.

Cabo Verde vive já uma crise económica provocada pela pandemia de Covid-19, com o setor do turismo, que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB), parado desde março. Para colmatar a falta de receitas fiscais e face ao aumento das despesas com prestações sociais e cuidados de saúde, o Governo anunciou que já negociou moratórias para o pagamento da dívida do país.

A dívida externa de Cabo Verde ronda atualmente os 1,6 mil milhões de euros, com a previsão de chegar aos 150% do PIB em 2021, devido aos efeitos da pandemia de Covid-19.

Cabo Verde regista um acumulado de 4.330 casos de Covid-19 diagnosticados desde 19 de março, com 42 mortes associados à doença.

LUSA/HN

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