No texto, a que a agência Lusa teve hoje acesso, e que havia já sido revelado por órgãos como o Açoriano Oriental ou a revista Sábado, é confirmada a decisão da primeira instância em relação a um pedido de ‘habeas corpus’ [libertação imediata] de quatro alemães confinados em agosto na ilha de São Miguel depois de um deles ter sido diagnosticado com covid-19.
A Autoridade Regional de Saúde, diz o acórdão da Relação de Lisboa, não é uma das entidades constitucionalmente válidas para decretar a privação da liberdade física, sendo que, além disso, nenhum dos turistas em causa “foi sequer visto por um médico, o que se mostra francamente inexplicável, face à invocada gravidade da infeção”.
O tribunal assinala ainda que os testes RT-PCR à covid-19 têm uma “fiabilidade que se mostra, em termos de evidência científica (e neste campo, o julgador terá de se socorrer do saber dos peritos na matéria) mais do que discutível”.
Os turistas em causa haviam apresentado um ‘habeas corpus’, que foi validado no final de agosto, numa decisão do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores que, disse à época o presidente do Governo dos Açores, Vasco Cordeiro, não teve a saúde pública “em conta”.
“É uma decisão que, naturalmente, sendo uma decisão do tribunal, deve ser respeitada, mas é uma decisão que claramente não tem a defesa da saúda pública em conta”, declarou então o chefe do executivo açoriano.
A decisão judicial, acrescentou ainda, versava “sobre a validade de uma abordagem” defendida pela autoridade de saúde nacional e que seguia recomendações da própria Organização Mundial de Saúde, nomeadamente as referentes ao isolamento de pessoas infetadas com o novo coronavírus.
Os turistas em causa, dizia o tribunal açoriano e corrobora a Relação de Lisboa, foram “privados da liberdade sucessivamente em duas unidades hoteleiras da ilha de São Miguel”, aonde chegaram em 01 de agosto, oriundos da Alemanha.
No seu país, nas 72 horas anteriores, “tinham realizado um teste” para determinar se eram portadores do vírus que origina a covid-19, tendo o resultado sido negativo.
Os cidadãos entregaram cópias à Autoridade Regional de Saúde no aeroporto de Ponta Delgada. Em 07 de agosto, duas cidadãs realizaram um segundo teste e os restantes fizeram-no três dias depois.
Uma das mulheres deu positivo e, de acordo com o tribunal, “foi-lhes dada, a todos, ordem de isolamento profilático subscrita pelo delegado de Saúde de Lagoa, de 08 a 22 de agosto, mas que permanecia em execução” no dia da decisão sobre o pedido de ‘habeas corpus’, quarta-feira (26).
Para o tribunal, a decisão de “privação de liberdade promanada da Autoridade Regional de Saúde assentou apenas em circulares normativas emitidas pela mesma e pela Direção-Geral da Saúde” que “consubstanciam orientações administrativas não vinculativas para os requerentes, mas apenas para as mencionadas autoridades e respetiva cadeia hierárquica”.
O Tribunal Judicial da Comarca dos Açores aponta que, aos cidadãos requerentes, “nunca foi transmitida qualquer informação, comunicação, notificação, como é devido nos termos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na sua língua materna”.
Este não era um caso isolado nos Açores, uma vez que, em 14 de agosto, o Tribunal Judicial da Comarca dos Açores ordenou a libertação de duas cidadãs que interpuserem um ‘habeas corpus’ após lhes ter sido decretada quarentena por terem viajado em lugares próximos de um infetado com covid-19.
Também em 27 de julho, o tribunal decidiu declarar procedente o ‘habeas corpus’ interposto por três cidadãos “privados da liberdade” desde 24 de julho numa unidade hoteleira da ilha Graciosa, no âmbito da covid-19.
Em 05 de agosto, ficou a saber-se que o Tribunal Constitucional considerou que as autoridades açorianas violaram a Constituição ao impor a quem chegasse à região uma quarentena obrigatória de 14 dias por causa da pandemia da covid-19.
A decisão surgiu na sequência de um recurso interposto pelo Ministério Público (MP) a uma decisão judicial de libertar um homem que se queixou da quarentena imposta.
Depois da decisão do tribunal de primeira instância, o MP recorreu para o TC, mas os juízes do Palácio Raton consideraram, na decisão datada de 31 de julho, que “todas as normas disciplinadoras de um direito liberdade ou garantia carecem de uma autorização prévia da Assembleia da República”, exigência que “ganha particular relevância quando estão em causa compressões ou condicionamentos a um direito”.
LUSA/HN
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