Um ano após o primeiro caso de Covid-19 ter sido diagnosticado, a China é o único grande país que derrotou a doença, reforçando a crença doméstica na superioridade do autoritarismo, face ao “declínio” do Ocidente liberal.
“A ideia de que o Ocidente fazia tudo melhor acabou”, resumiu à agência Lusa um diplomata europeu colocado em Pequim, acrescentando: “Após esta epidemia, os chineses nunca mais vão olhar para nós da mesma forma”.
Três semanas após o primeiro caso de uma “misteriosa pneumonia” ter sido anunciado pelas autoridades de Wuhan, no centro da China, em 31 de dezembro, as autoridades chinesas adotaram restritas medidas de prevenção, que incluíram isolar cidades com milhões de habitantes.
A origem da doença continua a ser uma incógnita, mas os estágios iniciais do surto revelaram que as autoridades foram lentas a agir. Mais grave: no final de dezembro, já vários médicos em Wuhan alertavam para os perigos de uma nova doença desconhecida, mas a polícia deteve oito deles para os “educar” sobre os perigos associados a espalhar rumores.
Mas, assim que a liderança do Partido Comunista se mobilizou, fê-lo com resolução. O anúncio do bloqueio de Wuhan, em 23 de janeiro, surgiu a meio da noite, sem aviso ou debate público.
Enquanto a afluência de pessoas sobrecarregava os hospitais da cidade, pacientes com sintomas leves foram mandados para casa, onde infetaram os familiares.
Num fenómeno raro no país, que condena frequentemente à prisão críticos do regime por “perturbação da ordem pública”, críticas abertas ao regime multiplicavam-se nas redes sociais chinesas.
No entanto, quando parecia que o Partido Comunista Chinês tinha tropeçado num buraco, esse buraco revelou-se uma mina de ouro.
Mais de dois meses após o primeiro caso de Covid-19 ter sido diagnosticado em Wuhan, a Europa e os Estados Unidos sucumbiram ao caos, ultrapassando rapidamente a China no número total de infetados e mortos.
“Está na hora de acordar da fé cega no sistema ocidental”, proclamou, em editorial, o jornal oficial China Education News.
“No Ocidente, as violentas lutas partidárias estão a agravar-se, as fissuras sociais a aprofundar-se e começa-se a formar uma grave crise social”, vincou.
Para Wang Xiangsui, coronel aposentado do exército chinês e professor universitário, a luta contra a pandemia é uma história de “vencedores e vencidos”.
“Nós somos a potência vitoriosa, enquanto os Estados Unidos caíram no caos e penso que podem muito bem tornar-se na potência derrotada”, apontou.
A ideia de um Ocidente em declínio e uma China triunfal não é nova no país. O fundador da República Popular da China, Mao Zedong, comparava o mundo capitalista a alguém às portas da morte.
Estas ideias terão sido abaladas quando o Partido Comunista adotou reformas de mercado e os Estados Unidos emergiram como a única superpotência, após o colapso da União Soviética.
“No entanto, a crise financeira de 2008, da qual a China saiu relativamente ilesa, fez com que os líderes chineses se questionassem se o declínio ruinoso do capitalismo que Mao previra não teria de fato chegado”, escreve Julian Gewirtz, Professora de História na Universidade de Columbia, na revista Foreign Affairs.
A pandemia da Covid-19 deu finalmente aos comentadores chineses a oportunidade de declarar o “fim do século americano”.
Num cenário que contrasta com a situação vivida em vários países, na China, à porta dos restaurantes mais populares formam-se agora longas filas, os ginásios enchem-se de pessoas ao fim da tarde e os alunos há vários meses voltaram às salas de aula.
Uma exposição temática sobre a luta de Wuhan contra o surto, no norte da cidade, exalta o papel do Partido Comunista Chinês, em particular do líder Xi Jinping, na luta contra a epidemia, mas não faz qualquer referência à origem da covid-19.
A exposição enaltece antes o apoio prestado pela China a países estrangeiros, incluindo o envio de equipamento médico e funcionários de saúde, e a generosidade dos líderes chineses em partilharem a “solução chinesa” com o mundo.
Zhao Xiaosong, um estudante chinês, de 24 anos, que assiste à exposição, parece convencido. “Em dois meses conseguimos derrotar a doença. Um feito único a nível mundial”, explica à Lusa.
“O Partido Comunista desempenhou um papel crucial”, diz.
LUSA/HN
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