“Temos problemas nos estados nacionais e temos problemas em organizações ambíguas, como é o caso da União Europeia. A União Europeia não é nem uma ONU [Organização das Nações Unidas], nem um estado nacional. É uma coisa diferente. É uma coisa diferente que continua sem saber para onde vai”, afirmou o académico, a propósito das mudanças que se impõem à humanidade na sequência da pandemia de covid-19.
Viriato Soromenho-Marques vê a UE como “um fator de risco internacional gigantesco”, uma organização que tanto pode fazer parte da solução como tornar-se, “dentro de algum tempo”, um fator de instabilidade.
“Tivemos a UE mergulhada numa década de crise até agora e passámos de uma crise do euro e das dívidas soberanas para esta crise pandémica e não sabemos como vamos sair daqui”, afirmou.
“As regras da disciplina orçamental, que são fundamentais no euro como está concebido hoje, mantêm-se só que estão entre parêntesis, foram suspensas. Mas não se vê nenhum esforço sério para alterar essas regras, por forma a permitir uma transição suave dos países que estão neste momento com dívidas gigantescas, porque não é só Portugal, nós somos um país muito endividado, mas a nossa dívida no quadro da União Europeia é uma dívida mínima. A dívida é muito grande para nós, em termos de percentagem do nosso PIB, mas irrisória comparada com a dívida total da União Europeia”, precisou.
“A dívida de Itália, de Espanha ou de França, essas sim são dívidas que pesam no computo geral e nós precisaríamos de ter uma resposta da União Europeia para o médio/longo prazo, por forma a que existisse uma possibilidade de sair da crise sem mergulhar numa crise económico-social por causa do regresso das regras de austeridade que fazem parte do Pacto de Estabilidade e Crescimento”, defendeu.
Para Viriato Soromenho-Marques, o cenário de divisão entre países que desejam regressar o quanto antes às regras da austeridade e aqueles que precisam de mais tempo para combater a crise social e económica que a pandemia provocou deixa mais incertezas do que vias para uma solução de interesse comum.
“Imaginemos o que poderá acontecer se daqui a um ano ou dois tivermos, por exemplo, em França uma Presidente da antiga Frente Nacional, a Marine Le Pen. A possibilidade de a Marine Le Pen ganhar as eleições em França hoje é muito maior do que em qualquer período anterior. Qual seria a confiança?”, questionou.
Soromenho-Marques advertiu para o perigo de “crises não respondidas”, quando não há “nem capacidade, nem coragem, nem inteligência”, considerando que neste momento falta tudo isto na instituição europeia.
“A partir dos anos 80 passámos a ter uma economia que se entregou de alma e coração aos mercados. É que não foi só a economia, foi a política! Quem fez a passagem mais firme para uma economia neoliberal curiosamente foram os políticos considerados de esquerda, foram políticos socialistas. Por exemplo, quem fez a transição para o neoliberalismo na Alemanha? Foi uma coligação liderada pelo Partido Social-Democrata, pelo PS lá do sítio, o Gerhard Schroder. As leis mais duras para os trabalhadores, mais favoráveis para o patronato e para o sistema financeiro, foram feitas no tempo do Gerhard Schroder [1998-2005]. Quem foi o campeão da liberalização na Grã-Bretanha? Foi o Tony Blair, o Tony Blair era um trabalhista. O papel do PS em Portugal não foi muito diferente”, afiançou o autor de “Portugal na Queda da Europa” (edição Temas e Debates).
LUSA/HN
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