Desenvolvimento de medicamentos para tratar a covid-19 enfrenta a natureza de um novo vírus

24 de Julho 2021

Ao contrário das vacinas, o rápido desenvolvimento de medicamentos específicos para tratar a covid-19 não parece tão promissor, apesar de a atenção do regulador europeu estar centrada em seis fármacos à base de antivirais e anticorpos.

“A investigação de um medicamento específico seria a situação ideal, mas estamos ainda longe de o conseguir, mesmo tendo em conta os enormes recursos que estão a ser utilizados, dado estarmos perante uma pandemia com grande impacto económico e social em todos os países”, adianta à Lusa o especialista em indústria farmacêutica José Aranda da Silva.

Para já, a Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês) apenas aprovou, em junho de 2020, o antiviral remdesivir para o tratamento da covid-19 em adultos e adolescentes a partir de 12 anos e com pneumonia, que requerem oxigénio suplementar.

De acordo com a EMA, quatro tratamentos antivirais estão ainda em análise continua pelos especialistas da organização europeia, enquanto outros dois medicamentos imunossupressores já estão na fase mais avançada de avaliação com vista à autorização de comercialização nos países da União Europeia (UE).

“A EMA está, atualmente, a avaliar os dados sobre quatro tratamentos covid-19” em processo de avaliação continua, que recorrem a anticorpos projetados para se ligarem à proteína ‘spike’ do vírus, reduzindo a sua capacidade de atingir as células do corpo, adiantou o regulador europeu à Lusa, que garante que o processo decorre “no prazo mínimo necessário” para garantir uma avaliação completa dos riscos e benefícios destes medicamentos.

A revisão continua é uma ferramenta regulatória ao dispor da EMA para acelerar a avaliação de um novo medicamento em situações de emergência de saúde pública, tendo já sido utilizado para a aprovação de comercialização das quatro vacinas contra o vírus SARS-CoV-2 que estão a ser usadas nos países da UE.

Além dos processos de avaliação, o regulador europeu também disponibiliza aconselhamento às empresas e laboratórios farmacêuticos sobre as mais recentes orientações regulamentares e científicas.

Aranda da Silva, primeiro presidente do Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), salienta que a comunidade científica ainda está a conhecer a forma como o SARS-CoV-2 se comporta no organismo, o que se deve ao facto de o seu genoma ter sido divulgado há pouco mais de um ano.

Além disso, “se analisarmos a disponibilidades de terapêuticas de anti-infecciosos – bactérias e vírus – registamos que, comparativamente com outras patologias, têm sido aprovados poucos medicamentos nos últimos anos. São poucos os antibióticos recentes no mercado. Quanto a antivíricos, ao que me recordo, os últimos, específicos para a hepatite C, foram aprovados há mais de cinco anos”, disse o antigo bastonário da Ordem dos Farmacêuticos.

No desenvolvimento deste tipo de medicamentos “é preciso ter em conta que os vírus são diferentes”, salientou José Aranda da Silva, apontando o exemplo do vírus da sida, para o qual não se conseguiu até agora descobrir uma vacina, uma vez que a “forma como interage como o sistema imunitário tem impedido essa descoberta”.

De acordo com o especialista em regulamentação farmacêutica, a Organização Mundial da Saúde e algumas autoridades reguladoras nacionais desenvolveram também ensaios clínicos com diversos fármacos já conhecidos e que poderiam ser úteis no tratamento da covid-19, mas os seus resultados “não têm sido muito animadores”.

Perante esse possível impasse, Aranda da Silva defende que, até final deste ano, a questão fundamental passa por reforçar a cobertura vacinal em todos os países, aumentando a produção de vacinas, tendo em conta que “tudo aponta que a imunização provocada não é muito duradoura e a efetividade global (mundo real), como acontece noutras vacinas, poderá ser inferior a 80%”.

O antigo membro da administração da EMA atribuiu também a rapidez com que foram desenvolvidas as vacinas ao facto de já existirem estudos, desde a epidemia de SARS em 2003 e da MERS em 2012, que tentavam encontrar novas plataformas para a sua produção, assim como ao “enorme investimento” público nos Estados Unidos e na Europa que permitiu acelerar o processo.

“O terceiro fator foi a resposta das autoridades reguladoras, como a EMA e a Food and Drug Administration [dos Estados Unidos], que encontraram novas forma de avaliação. Estes procedimentos permitiram avaliar de forma paralela e não sequencial os diversos estudos em curso” sobre o desenvolvimento das vacinas contra a covid-19, sublinhou.

O especialista manifestou-se, porém, esperançado que a “mudança de atitude de muitos governos e organizações”, como a União Europeia, sobre a importância dos sistemas de saúde para o desenvolvimento e bem-estar das populações, “trará benefícios à investigação de novas soluções terapêuticas”.

“A saúde não pode ser considerada só como uma despesa, mas também como um investimento”, concluiu José Aranda da Silva.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

MAIS LIDAS

Share This