Emanuel Vital: “A fisioterapia está a ser subutilizada no SNS”

10/14/2021
As declarações são do candidato às primeiras eleições da Ordem dos Fisioterapeutas. Em entrevista ao HealthNews Emanuel Vital deixa críticas à gestão dos fisioterapeutas no SNS e aos diplomas que pretendem alterar o funcionamento das ordens. Para o candidato a bastonário a falta de capacidade de resposta em hospitais e centros de saúde deve-se à falta de "visão estratégica e vontade política", alegando, assim, a importância das ordens na melhoria dos cuidados de saúde.

HealthNews (HN)- Recentemente anunciou a sua candidatura às primeiras eleições da Ordem dos Fisioterapeutas. O que motivou a sua candidatura?

Emanuel Vital (EV)- Essencialmente a minha paixão pela profissão e a certeza de que se pode fazer muito mais para melhorar a saúde dos portugueses, melhorando a oferta dos serviços de fisioterapia.

HN- Quais as principais medidas que destaca do seu programa?

EV- O nosso primeiro esforço será dedicado à criação e à consolidação da estrutura física da Ordem dos Fisioterapeutas. Ao mesmo iniciaremos os nossos trabalhos no posicionamento da profissão junto da rede sistémica. Queremos estar presentes nos sítios onde as políticas de saúde são decididas e estaremos completamente disponíveis para participar no Plano Estratégico da Saúde, mobilizando os recursos de fisioterapia.

Uma parte importante da nossa intervenção será, também, dirigida para a própria profissão, no sentido de criar modelos de qualidade. Queremos garantir a defesa do consumidor contra práticas ilegítimas por parte de outros profissionais que ocupam este espaço de forma “legitima”. A nossa preocupação é que o cidadão esteja informado do serviço de fisioterapia e, acima tudo, daquilo não é a fisioterapia.

HN- Estão previstas alterações à lei-quadro das ordens profissionais, tendo a Iniciativa Liberal defendido a extinção de mais de metade das ordens – incluindo a Ordem dos Fisioterapeutas. Como olha para esta posição dos grupos parlamentares?

EV- Temos que ter uma postura séria nesta questão. Importa, de facto, saber, em detalhe, como são suportadas essas tomadas de decisão para se fazer cessar estruturas que regulam profissões para o benefício do cidadão. 

Sabemos que o enquadramento do projeto de lei do PS é baseado num estudo promovido pela OCDE, em que refere poupanças – que eu não diria significativas, mas que são apresentadas dessa forma – de cerca de 130 milhões de euros que resultam de “entraves” ao acesso à profissão. Ora, se só pensarmos nas poupanças que se pretendem atingir estamos a esquecer o serviço público das ordens. O que não foi medido nesse estudo foi o potencial aumento exponencial dos gastos em saúde por erros de má prática.

É preciso olhar para esta questão com atenção e não olhar apenas para uma parte da equação. Nesse sentido considero que temos de ter uma atitude séria e reconhecer o serviço público que as ordens profissionais prestam ao país. Por exemplo, a Ordem dos Médicos tem contribuído muito para melhorar a saúde dos portugueses e esse aspeto deve ser sublinhado e nunca pode ser esquecido.  

HN- Significa que recusa a ideia de que as ordens criam “entraves” no acesso à profissão e considera que a proposta de lei poderia colocar em causa a qualidade dos serviços prestados aos doentes?

EV- É importante esclarecermos o conceito de “entrave” à profissão. Daquilo que foi permitido consultar e interpretar é que o “entrave” estaria muito mais associado à obrigatoriedade de registo numa ordem para permitir o exercício da profissão. Eu pergunto-me se isso é considerado um “entrave” ou um investimento numa entidade que vai criar condições, produtos e prestar serviços para a melhoria dos cuidados? Portanto, é preciso perceber o conceito de “entrave”.

Não se pode esperar que uma ordem funcione ou viva só da boa vontade, é preciso criar fontes de receita para suportar uma estrutura que visa a melhoria contínua da qualidade dos seus profissionais e a defesa do cidadão. É preciso entender que há um serviço que a ordem presta e que há necessidade de criar recursos para essa ordem poder funcionar.

HN- Alertou para a “falta gritante” de fisioterapeutas no SNS. Qual a importância que estes profissionais têm na promoção da qualidade de vida das pessoas?

EV- A propósito dessa questão… Há pouco estava a analisar uma questão que tem sido abordada nos meios de comunicação social e que tem a ver com as urgência desnecessárias e o encerramento de alguns serviços de urgência. Penso que aqui, e numa visão de uma gestão integrada e eficiente dos recursos de saúde, está a ser esquecida a fisioterapia. Esta está a ser subutilizada no SNS a nível do internamento hospitalar e nas suas várias valências. É difícil encontrar fisioterapeutas dedicados a essas unidades e muito menos encontramos fisioterapeutas nos serviços de urgência. Existem estudos que mostram que o fisioterapeuta tem duas funções nas urgências. Estes profissionais têm um impacto importante na redução do tempo de espera, na obtenção de resultados em saúde, na redução dos reinternamentos e no melhor encaminhamento dos doentes. Claro que para termos um fisioterapeuta nos serviços de urgência é preciso dar condições para que isso aconteça e, aqui, a Ordem dos Fisioterapeutas terá um papel importante. 

HN- Se o número de fisioterapeutas aumentasse nos cuidados de saúde primários seria possível diminuir o número de doentes que se desloca aos serviços de urgência?

EV- Há estudos nacionais e internacionais que referem que muitas pessoas procuram o serviço de urgência devido à falta de resposta nos cuidados de saúde primários, ou seja, na porta de entrada do SNS. Quando não é dada uma resposta adequada a esse nível os doentes dirigem-se ao serviço de urgência… Em Portugal para dez milhões de habitantes temos 169 fisioterapeutas nos centros de saúde. As principais condições que levam as pessoas ao médico de família são condições musculoesqueléticas, isto é, condições que beneficiam da intervenção do fisioterapeuta.

HN- Quantos profissionais seria necessário contratar de maneira a poder satisfazer as necessidades dos doentes?

EV- Se duplicássemos o número de fisioterapeutas no SNS não chegaríamos a metade do valor de referência de países que têm a mesma dimensão geográfica de Portugal. Estamos muito longe na utilização dos nossos serviços e das nossas competências. Portugal dispõe desse capital humano, mas falta visão estratégica e vontade política para utilizar melhor os impostos que cobramos aos portugueses.

HN- No caso de ser eleito bastonário, qual seria o seu papel na luta contra a falta de capacidade de resposta nos hospitais e restantes unidades de cuidados de saúde?

EV- Na minha visão a Ordem não luta, a Ordem analisa, colabora e constrói uma melhor saúde para os portugueses. A minha postura será a de construir com os fisioterapeutas e com todos os atores da saúde.

HN- Quais as suas expectativas para as eleições agendadas para dia 15 de novembro?

EV- Tenho muito boas expectativas porque estamos a oferecer aos nossos colegas fisioterapeutas a possibilidade de escolha. É dado aos fisioterapeutas o valor que eles têm e a importância que têm na escolha do rumo para a sua profissão.

Entrevista de Vaishaly Camões

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