“Eu só queria apanhar o caril diário”, diz, explicando à Lusa, em quimuâni, uma das línguas mais faladas pela população de Quissanga, vila destruída por rebeldes armados em 2020, que conseguiu mais que isso.
Caril é o nome daquilo que se consegue juntar ao arroz, à ‘xima’ (papa feita com farinha de mandioca ou milho) ou qualquer outro alimento base – é o sabor que quebra a monotonia alimentar e que lhe dá mais alguns nutrientes.
Depois de recuperar o fôlego de dias de medo e fuga pela mata, com a família, chegou a Metuge e fez uma das suas gaiolas para pássaros com paus e folhas, acrescentando no final um pouco de farelo de milho que encontra no lixo de outros.
É uma técnica que tem experimentado várias vezes, em que o farelo é o chamariz, o que leva os pássaros a cair na armadilha.
Em julho fez uma gaiola de meio metro de comprimento por 30 centímetros de largura e escolheu um lugar para a colocar.
Todos os dias, mal amanhecia, colocava-a debaixo de uma árvore frondosa habitualmente repleta de pássaros que vão comer fruta.
Adolfo ficou surpreendido, contou à Lusa: numa semana capturou cinco papagaios.
“Fiquei tão admirado, não sei como foi possível”, diz, referindo que aproveitou a sorte a seu favor e, em vez de preparar um prato condimentado, fez negócio com os animais.
Vendeu cada papagaio a 2.500 meticais (33 euros) e com o dinheiro passou a ter um hectare de terra para cultivo, principal fonte de subsistência da população moçambicana.
“Graças a Deus consegui a minha machamba”, nome dado às hortas, e agora tudo volta a ser possível.
“Até talvez voltar a Quissanga, uma exigência da minha mulher”, conta.
“Agora, acho que tenho oportunidade de desenvolver negócio através da machamba”, diz. Adolfo tem agora produção agrícola para se alimentar a si e à família e vender o excedente, um projeto de vida que muitos deslocados deixaram para trás, nas suas vilas e aldeias, e que gostariam de voltar a abraçar.
Adolfo Anlawe já tem outra ambição: mesmo antes de planear um regresso a Quissanga, espera conseguir construir uma casa perto da estrada nacional, no cruzamento para Metuge, para desenvolver o negócio com maior visibilidade.
O deslocado que os papagaios salvaram fugiu do distrito de Quissanga para Metuge, juntamente com a esposa, cinco filhos e nove netos.
Adolfo Anlawe tem ainda a responsabilidade de cuidar de quatro sobrinhos com idades entre os 11 e os 19 anos, cujo pai foi degolado por rebeldes durante o ataque de janeiro de 2020, que culminou com a destruição da Escola Agrária de Bilibiza.
A fuga da família até Metuge durou três dias, sem água nem comida, e com o filho mais velho de sete anos em risco de vida por causa da fome e sede.
“Só deus sabe como é que consegui chegar com todos os filhos vivos até Metuge”, refere.
Hoje, no campo de reassentamento de Nagalane, sentado num tronco, descalço, está rodeado por eles e partilham uma refeição de xima de mandioca e peixe seco que conseguiu graças a biscates na machamba, o centro da economia familiar.
A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
O conflito já provocou mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades moçambicanas.
Desde julho, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) permitiu aumentar a segurança, recuperando várias zonas onde havia presença de rebeldes, nomeadamente a vila de Mocímboa da Praia, que estava ocupada desde agosto de 2020.
LUSA/HN
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