Em declarações à Lusa, o médico João Gorjão Clara, professor catedrático de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, lembra as particularidades das pessoas idosos, que resultam do envelhecimento e as tornam “diferentes da população adulta ou das crianças”.
“O reconhecimento de que era assim para as crianças tem mais de 100 anos, quando se constituiu a pediatria, e não houve, na altura, da parte de nenhuma das pessoas das especialidades médicas, qualquer obstáculo ao reconhecimento de que as crianças tinham de ter uma abordagem própria”, lembrou o especialista em medicina interna, com reconhecimento em geriatria.
Segundo explicou, a Associação dos Médicos dos Idosos Institucionalizados (AMIDI), que será registada este mês, terá a sua sede no Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva e pretende reunir todos os médicos que trabalham com idosos que estão nas Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI).
Dados do Instituto de Segurança Social referentes a 2021 indicam que em Portugal existem 6.029 ERPI (2.529 legais e 3.500 ilegais) e estima-se que nestas estruturas estejam um total superior a 125.000 idosos (90.627 nas legais e 35.000 nas ilegais).
Gorjão Clara disse que o essencial é que as condições de assistência destes idosos sejam as melhores e que os médicos que os assistem tenham uma formação sólida em geriatria.
A AMIDI também pretende também, junto da Ordem dos Médicos e do Ministério da Saúde, fazer com que as regras de constituição das ERPI obriguem à contratação de um médico.
“Não há qualquer lei que obrigue as ERPI a contratar médico. Obriga a contratar enfermeiro, mas não obriga a contratar médico. Numas [o médico] vai uma vez por semana, noutras duas vezes, noutras vai quando é chamado e nalguns casos quando o doente precisa é enviado para as urgências. É esta a realidade”, explicou.
O especialista foi até outubro coordenador do grupo de estudos de geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, tendo coordenado e organizado formações em geriatria a médicos que dão assistência a idosos em lares.
“Sentia que os médicos que dão apoio aos idosos institucionalizados não têm formação especifica e, portanto, não podem otimizar essa assistência (…) que é muito particular”, considerou, recordando um estudo, publicado em 2018, que concluiu que os idosos institucionalizados têm maior taxa de depressão e solidão do que os que vivem na comunidade.
“Só isto já é preocupante, se a assistência médica não é otimizada isso agrava a situação”, acrescentou.
Segundo disse, a ADIMI será uma associação pioneira na Europa, pois só nos Estados Unidos existe uma instituição do género, que reúne médicos que dão apoio a idosos nestas instituições.
Lamentou que em Portugal não exista a especialidade de geriatria, como acontece na maior parte dos países da Europa. Os médicos que fazem formação nesta área e nela trabalham podem ter a competência em geriatria reconhecida pela Ordem dos Médicos.
Gorjão Clara recordou que, além de Portugal, só a Grécia não tem esta especialidade médica.
Contou que a criação da especialidade de geriatria teve sempre resistência de colegas de outras especialidades e que, se no início, quando a cadeira começou a ser lecionada na faculdade (em 2010) apareciam apenas sete ou oito alunos, a situação começa a ser diferente.
“É preciso ser muito resiliente”, reconheceu, acrescentando: “A pouco e pouco, sobretudo as gerações mais novas dos médicos, vão aprendendo que a geriatria é muito importante e que têm de ter formação sólida nesta área e vão aparecendo, quer nos cursos pós graduados que no núcleo de estudos de geriatria da SPMI organizamos, quer noutras ações de formação”.
E apesar da palavra geriatria ter 100 anos, dá um exemplo bem atual dos “anticorpos” que tem: “Ainda hoje, a cadeira [disciplina] na faculdade não se chama ‘Geriatria’, mas sim ‘Introdução às Doenças do Envelhecimento’”.
“Mas o que se aprende é exatamente o mesmo que em qualquer escola médica da Europa, em países onde a geriatria já é uma especialidade”, afirmou, acrescentando que, em Espanha, a Sociedade de Geriatria existe desde 1978 e, em França, desde o ano 2000.
LUSA/HN
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