Em declarações à Lusa, Patricia Brito, docente de Medicina Evolutiva na Nova Medical School, sublinha a importância da relação do homem com o seu ecossistema para se perceber porque é que se fica doente.
“Muitas vezes a doença surge porque há um desfasamento do homem em relação ao meio ambiente”, afirma, exemplificando: “se uma pessoa originária de um local com muita exposição solar, de repente vai viver para os países do Norte da Europa, o facto de a constituição fisiológica não estar adaptada ao ambiente pode provocar doença. Sabendo esta informação, podemos atuar em conformidade”.
Diz que o estudante de medicina que recebe esta formação ao longo do curso ganha “uma maneira de pensar diferente, um raciocínio evolutivo” e que esta maneira de pensar relativamente ao homem “é importante para entender como é que as doenças surgem”.
A especialista explicou que esta é uma área recente, interdisciplinar entre biologia evolutiva, a medicina e a saúde pública. Faz questão de frisar que a Medicina Evolutiva não é uma especialidade, nem uma área de investigação, mas sim uma área de formação base da medicina.
“A medicina está muito focada no homem, em entender a doença no homem e como se trata essa doença. Como o homem é um organismo vivo e, como tal, é um componente de estudo biológico, o que tem acontecido é que tradicionalmente tem-se dado muita importância à biologia molecular e à biologia celular e a biologia evolutiva tem ficado de parte”, explica, admitindo, contudo, que a situação “está a mudar”.
“Apesar de, cada vez mais, fazer parte dos cursos de medicina, a verdade é que é uma área ainda pouco conhecida”, mas que acaba por ser aplicada a questões muito práticas da medicina e da saúde publica, defende.
Patricia Brito aponta a “mudança de paradigma” trazida pela biologia evolutiva, explicando: “Tradicionalmente, na medicina, o homem, o corpo humano, tem sido estudado como se fosse uma máquina perfeita, desenvolvida para um funcionamento perfeito. O que a biologia evolutiva traz é esta ideia de que o ser humano faz parte de um ecossistema e estabelece relações ecológicas com os outros organismos”.
Lembra que a facilidade e rapidez de circulação pelo globo é muito recente e sublinha: “a espécie humana não evolui com esta velocidade”.
“São precisas muitas gerações para nos adaptarmos às alterações do ambiente e quando essas alterações são muito rápidas há um desfasamento entre a constituição ética e fisiológica de uma pessoa e o ambiente onde vive. Este desfasamento pode ser causa de doença”, insiste.
Patricia Brito explica ainda: “Hoje em dia, um dos grandes problemas da medicina tem que ver com o aumento de infeções por bactérias resistentes aos antibióticos. Entender como a ação da terapêutica [pelos antibióticos] influencia esta evolução é uma coisa importante”.
No fundo – acrescenta – “é dar aos alunos a formação científica correta para entenderem como a terapêutica, por vezes, é promotora de situações que não são nada benéficas”.
Questionada sobre o que ganha um médico que tenha de base esta formação, responde: “Está mais capacitado para ter um raciocínio diferente em situações que são novas”.
“A medicina é uma área muito protocolar, e é bastante importante que assim seja. O que me parece é que há momentos em que o médico tem de ser capaz de usar o conhecimento que tem para aplicar os protocolos que estão indicados em cada momento e até para questionar os dogmas”, afirma.
E dá outro exemplo: “Um dos temas que discutimos é o que são as defesas do corpo humano e se as terapêuticas devem contrariar essas defesas ou usá-las como aliadas na própria terapêutica”.
Sobre se esta formação ajuda a chegar mais rápido ao diagnóstico, admite que sim – “É provável que se chegue lá mais rápido” -, mas insiste que a Medicina Evolutiva é apenas uma formação base “e não uma área que propõe uma maneira diferente de fazer Medicina”.
“Ninguém quer hoje em dia ser tratado por um médico que não entende os mecanismos básicos da evolução. Se tiver uma doença infecciosa, se for infetada por uma bactéria, quero que o meu médico perceba como a evolução de resistências ocorre nas bactérias”, afirmou a especialista, sublinhando que, além de terem de se manter sempre atualizados ao longo da vida, os médicos devem saber explicar de maneira clara e simples os fenómenos biológicos.
“Os médicos são a quem a população se dirige para tirar dúvidas. A população pergunta aos médicos, não é aos cientistas”, conclui.
O Congresso de Evolução, Medicina e Saúde Pública decorre entre 05 e 08 de julho, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
LUSA/HN
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