Hugo Nunes: “A identificação precoce de lesões cutâneas suspeitas tem uma importância vital”

07/07/2022
Hugo Nunes , médico oncologista no IPO de Lisboa

De acordo com o médico oncologista no IPO de Lisboa, o diagnóstico precoce do melanoma maligno é “fundamental” alertando que “quanto mais avançado é o estadio, pior é o prognóstico”. Hugo Nunes avisa que o atraso na identificação de lesões cutâneas pode implicar, ainda, uma “pior sobrevivência dos doentes e gastos em saúde maiores”. Estima-se que mais de três milhões de euros sejam gastos todos os anos no tratamento da doença por hospitais públicos. “A prevenção primária e secundária pode ter um impacto substancial nos gastos”, sublinha o especialista. 

Mais de 40% dos casos é diagnosticado em pessoas até aos 55 anos, embora a doença tenha vindo a aparecer em pessoas cada vez mais jovens. Considera que estamos perante o subdiagnóstico da doença? 

Infelizmente, sabemos que a vigilância dermatológica em Portugal não é feita com a regularidade desejável; isto prende-se com fatores ligados ao acesso aos cuidados de saúde, muito concretamente aos cuidados primários de saúde. É por isso que os médicos de família têm uma importância tão grande na vigilância da pele. De facto, o subdiagnóstico existe, sobretudo das lesões pigmentadas precoces, porque o acesso a um médico de família é ainda muito difícil em muitas regiões do nosso país. A pandemia de COVID-19 veio, infelizmente, agravar este problema, com o diagnóstico tardio de muitos tumores cutâneos.   

A pandemia agravou o acesso aos cuidados de saúde dos doentes oncológicos. Qual o impacto do atraso no diagnóstico e tratamento da doença? 

O diagnóstico precoce do melanoma maligno é fundamental, porque sabemos que quanto mais avançado é o estadio, pior é o prognóstico e mais recursos exige o seu tratamento. Nesse sentido, a identificação precoce de lesões cutâneas suspeitas tem uma importância vital. O seu atraso, implica pior sobrevivência dos doentes e gastos em saúde maiores, também com impacto financeiro sobre os serviços de saúde. 

Quais os principais desafios que identifica no acompanhamento e tratamento da doença? 

Para além do desafio do diagnóstico precoce, que está maioritariamente nas mãos dos médicos de família e dos dermatologistas, como já referido, os desafios no acompanhamento e tratamento dos doentes com melanoma são múltiplos. O desafio começa logo pela escolha do melhor tratamento para cada doente, uma vez que todos os casos têm as suas particularidades; os doentes são todos diferentes, nas suas características pessoais, nos seus hábitos, nos seus desejos, nas suas crenças. Depois da escolha do tratamento, que deve sempre ser partilhada, os desafios maiores prendem-se com o acompanhamento e gestão das toxicidades e das sequelas dos tratamentos. Os sobreviventes de cancro são em si mesmos um desafio porque sobreviveram, mas têm que viver com inúmeras adaptações da sua vida, após um diagnóstico e tratamento de cancro.     

De acordo com o secretário-geral da Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo, um estudo com base em dados dos hospitais públicos indica que o melanoma tem uma despesa anual de 3,84 milhões de euros. Atendendo a estes valores, quais as medidas que devem ser adotadas para garantir a prevenção da doença e, com isso, a redução valor que é gasto no tratamento do melanoma?

Mais uma vez, a prevenção primária e secundária são fundamentais, e sabemos que podemos ganhar muito com elas. A prevenção primária é aquela que evita as doenças na sua génese. No caso do melanoma maligno, as campanhas que promovem hábitos de exposição solar saudáveis são essenciais. Ainda vemos atualmente uma incidência de melanoma a aumentar, fruto de várias gerações passadas com hábitos de exposição solar excessiva. A prevenção secundária é aquela que permite diagnosticar precocemente a doença. Como já foi referido, a vigilância da pele saudável é a forma de detetar lesões a tempo de serem tratadas em fases iniciais. O tele-rastreio tem tido um impacto muito positivo, porque aproxima os cuidados primários dos especialistas a nível hospitalar, mas para isso é urgente otimizar o acesso dos doentes aos cuidados primários. 

Estas duas estratégias (prevenções primária e secundária) podem ter um impacto substancial nos gastos com o tratamento do melanoma, por via de diminuição da sua incidência e tratamento eficaz em fases precoces.

O tratamento adjuvante reduz em 50% o risco de recorrência da doença. No entanto, apenas os doentes em estádios mais avançados é que têm indicação para este tipo de tratamento. Atendendo aos resultados, não faria sentido alargar o tratamento adjuvante em estádios precoces? 

A redução do risco de recorrência, sendo uma redução relativa, é sempre mais impactante, em termos absolutos, nos tumores de alto risco. Daí as primeiras aprovações para tratamento adjuvante serem em tumores localmente avançados, que sabemos terem um risco muito elevado de recaída. No entanto, há tumores precoces, sem envolvimento ganglionar (por exemplo estádios IIB e IIC), que apesar do seu estadiamento anatómico mais “precoce”, são igualmente de alto risco, inclusivamente superior a tumores em estadio IIIA. Por isso, há neste momento ensaios em curso, alguns já com read-out, de tratamento sistémico adjuvante nestes tumores mais precoces mas igualmente de alto risco.           

Qual a importância do seguimento do doente no pós tratamento?

Todos os tratamentos, incluindo o cirúrgico, a radioterapia ou os tratamentos sistémicos, têm efeitos adversos. Alguns são agudos e reversíveis, e são manejáveis através de medidas de suporte. Mas também existem efeitos tardios, alguns irreversíveis. Estes incluem, por exemplo, sequelas cirúrgicas mais ou menos importantes (por exemplo, o linfedema), efeitos radiógenos tardios ou eventos adversos da imunoterapia que podem ser crónicos e lifelong (por exemplo, endocrinopatias). Assim, o seguimento dos sobreviventes é de uma importância fulcral, porque venceram o cancro, mas têm que se adaptar a uma nova vida, com alterações por vezes de grande impacto na sua qualidade de vida. Isto, para não referir a deteção da recaída, que é uma preocupação constante não só dos doentes, mas também de quem trata uma doença com risco elevado de recaída (mesmo apesar dos esforços para o reduzir). 

Participa no projeto “Melanoma Talks” desenvolvido pela MSD. Em que medida este tipo de iniciativas contribui para o aumento da sensibilização da doença por parte dos profissionais de saúde? 

Contribui muito. Em geral, as doenças oncológicas devem ser abordadas de forma multidisciplinar. E isso deve acontecer desde o diagnóstico, passando pelo tratamento e terminando no seguimento dos sobreviventes e no diagnóstico e tratamento da recaída. Nesse sentido, o envolvimento das várias especialidades é fundamental e iniciativas como o “Melanoma Talks” podem contribuir muito para aproximar os profissionais e criar canais de comunicação e fóruns de discussão. Este projeto, em concreto, pode ser um grande contributo para fazer chegar mensagens importantes nesta patologia a profissionais que, por via da sua atividade mais generalista, como é o caso dos médicos de família, não contactam tão frequentemente com a doença. Por outro lado, também alerta quem trabalha a nível hospitalar (como os dermatologistas, cirurgiões ou oncologistas) das dificuldades que se vivem nos cuidados primários. Isso contribui para a formação contínua de todos os profissionais e até de outras categorias profissionais (como enfermeiros, farmacêuticos ou terapeutas), porque mesmo não sendo visados diretamente nesta iniciativa, acabarão por receber também informação vinda dos que nelas estiveram diretamente envolvidos. 

Entrevista de Vaishaly Camões

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