Assistentes sociais reclamam acesso a plataforma que regista mutilação genital

6 de Fevereiro 2023

As assistentes sociais não têm acesso à plataforma que identifica as vítimas de mutilação genital feminina em Portugal e isso impede o registo de mais casos, alertaram esta segunda-feira duas profissionais da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa.

Segundo declarações à Lusa de Fátima Xarepe e Marta Trindade, as assistentes sociais são responsáveis por detetarem “37% dos casos” de mutilação genital feminina (MGF) na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), mas, depois, não os podem registar diretamente no Registo de Saúde Eletrónico, onde, desde março de 2014, é possível identificar as mulheres e meninas residentes em Portugal sujeitas à mutilação genital, prática que causa lesões físicas e psíquicas graves e permanentes.

A plataforma “é muito fechada”, restringindo o acesso a profissionais de saúde, apontaram à Lusa, à margem da ação de formação “Não à mutilação genital feminina”, que hoje decorreu no anfiteatro da MAC para assinalar o Dia da Tolerância Zero à mutilação Genital Feminina.

Fátima Xarepe, coordenadora da área de apoio social da MAC, adiantou que já foi feito um pedido de alteração da plataforma aos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde.

Isto porque o facto de as assistentes sociais ficarem “de fora” do registo está a impedir a identificação de mais casos de MGF, reclama Marta Trindade, que iria dar conta disso mesmo na apresentação que preparou para os profissionais da MAC inscritos na ação de formação de hoje.

A Lusa já questionou os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, que gerem o Registo de Saúde Eletrónico, que recolhe dados clínicos produzidos por entidades que prestam cuidados de saúde com o objetivo de melhorar o atendimento aos cidadãos.

De acordo com estimativas das Nações Unidas, a MGF afeta 200 milhões de mulheres em todo o mundo e põe em risco, anualmente, mais de 4 milhões de meninas.

Segundo os dados recolhidos pelo Registo de Saúde Eletrónico divulgados hoje pela Direção-Geral da Saúde, foram registados 190 casos de MGF no ano passado (um aumento de 24% relativamente a 2021).

A maioria dos casos foi detetada em unidades inseridas na Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo (apenas dois foram identificados na ARS Centro) e os cuidados hospitalares foram responsáveis pela maioria dos registos (77,9%, com os cuidados de saúde primários a identificarem 22,1%).

Entre as 190 vítimas da prática identificadas em 2022, mais de metade sofreu complicações associadas, segundo os mesmos dados.

Desde março de 2014, quando a plataforma entrou em funcionamento, foram registados 853 casos de MGF, na generalidade praticados fora do território nacional.

Os dados apontam para uma predominância de casos realizados na Guiné-Bissau (70,5%) e na Guiné-Conacri (23,7%).

A MGF é mantida em cerca de 30 países africanos, tendo igualmente migrado para a Europa, onde vivem cerca de 500 mil mulheres mutiladas.

Estima-se que em Portugal vivam 6.500 mulheres, na maioria originárias da Guiné-Bissau, vítimas de uma prática que é considerada crime autónomo desde 2015.

A Guiné-Bissau – onde a MGF é punida por lei desde 2011 – é o único país de língua portuguesa que figura nas listas internacionais sobre a prática, com uma taxa de prevalência que afeta metade das mulheres.

A mutilação genital feminina – que consiste na retirada total ou parcial de partes genitais, com consequências físicas, psicológicas e sexuais graves, podendo até causar a morte – é reconhecida internacionalmente como uma violação dos direitos humanos.

LUSA/HN

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